Ao longo de cerca de um semana, em meados de junho deste ano, autoridades americanas e canadenses se mobilizaram para encontrar e tentar resgatar os cinco tripulantes do submarino Titan, criação da OceanGate, empresa que realizava viagens até os destroços do Titanic, no Atlântico Norte. Nesta segunda-feira, completam-se 6 meses da tragédia, e as investigações sobre o incidente seguem, com questões ainda em aberto.
O submarino desapareceu no dia 18 de junho, poucas horas após iniciar sua descida ao fundo do mar. Sua tripulação, composta de cidadãos dos Estados Unidos, Reino Unido, Paquistão e França, morreu durante uma implosão, causada pela força da pressão na estrutura do submersível. Cerca de 80 horas após o desaparecimento, quando a reserva de oxigênio do veículo já estaria no final, foi anunciada a descoberta dos destroços.
Os restos do Titan foram encontrados no fundo do mar, 500 metros da proa do Titanic, que está a quase quatro quilômetros de profundidade e 600 km da costa de Terranova, Canadá. Morreram na implosão os bilionários Hamish Harding, o mergulhador francês Paul-Henry Nargeolet, além do empresário paquistanês Shahzada Dawood e seu filho, Suleman Dawood. O CEO da OceanGate, Stockton Rush, que comandava o submersível no momento da implosão, também morreu.
A Guarda Costeira americana apura o caso. “A investigação está atualmente na fase de apuração de fatos, que envolve a análise de provas e a realização de entrevistas com testemunhas, e a data de conclusão da investigação é desconhecida neste momento”, disse o órgão por meio de nota. No dia 8 de novembro, as autoridades afirmaram terem concluído uma “revisão de evidências dos detritos” do Titan, em Rhode Island.
Uma das principais questões ainda não desvendadas é o que causou a implosão do submarino. Entre as explicações mais prováveis está o uso de materias não testados, como fibra de caborno, na estrutura do veículo subaquático. Segundo relatado por um ex-sócio de Stockton Rush, CEO da OceanGate e um dos tripulantes do Titan no dia da implosão, a utilização desse material foi motivada por uma busca em cortar custos da empreitada.
— Nossa teoria era que, se pudéssemos seguir o exemplo de Elon Musk na SpaceX e usar capital privado para construir submarinos de mergulho profundo, poderíamos torná-los disponíveis para qualquer pessoa que precisasse deles, pesquisadores, cineastas, exploradores, a uma fração do custo — disse Guillermo Sohnlein ao The New York Times.
Ao jornal americano, o engenheiro e especialista em submarinos Graham Hawkes, que conhecia Rush, disse lametar não ter alertado o empresário dos riscos no uso da fibra de carbono. Segundo ele, trata-se de um materia pouco confiável: em um dia poderia descer até 3 mil metros e, no seguinte, implodir ao chegar em 2,7 mil. Isso porque a estrutura poderia sofrer danos impossíveis de serem detectados.
Ao GLOBO, o oceanógrafo e militar americano Don Walsh, signatário de uma carta escrita pela Sociedade de Tecnologia Marinha (MTS) que em 2018 já apontava erros da OceanGate, levantou ainda a possibilidade da implosão ter sido provocada pela janela do submarino:
— Houve uma falha massiva no casco de pressão quando ele implodiu. Provavelmente ocorreu em menos de um segundo. A falha pode ter sido devido ao casco experimental, não testado, feito de filamentos de fibra de carbono trançados ou à grande janela única que não foi fabricada de acordo com os padrões aceitos para a profundidade máxima de operação do submarino.
Alguém pode ser responsabilizado?
Os clientes da OceanGate eram obrigados a assinar um termo de responsabilidade antes de embarcar no submarino da empresa. O documento deixa claro aos passageiros que eles assumem os riscos de morte e ferimentos graves sem a possibilidade de qualquer recurso contra a empresa responsável pela expedição. “Assumo total responsabilidade pelo risco de lesões corporais, invalidez, morte e danos materiais devido à negligência da [OceanGate] durante o envolvimento na operação”, diz um trecho do termo.
De acordo com especialistas ouvidos pelo GLOBO, familiares de vítimas do acidente podem buscar a reparação dos danos na Justiça, mas uma vitória nos tribunais é incerta.
— Claro que esse termo faz você entender que envolve riscos, mas não é carta branca para acontecer a morte. Depende da causa. Vamos pensar no médico: assinei o termo de um procedimento estético que pode gerar uma cicatriz que não sai nunca. Agora, se a cicatriz foi por erro médico, não foi natural, aí o termo não vale. Isso olhando pela lógica da lei do Brasil, que é diferente, mas é inspirada por legislações europeias. O termo não apaga erros. Vai depender de cada país. Mas, como é algo muito exclusivo, a Justiça vai levar em consideração o apetite da vítima pelo risco — disse ao GLOBO a professora de Direito da Uerj, Milena Donato.
Morto no desastre, o fundador e CEO da OceanGate é quem pilotava o submarino em sua viagem final. Em agosto, o banqueiro Gordon A. Gardiner foi escolhido para substituir Stockton Rush no cargo. De acordo com a empresa americana, ele foi nomeado CEO e diretor “para liderar a OceanGate nas investigações em andamento e no fechamento das operações da empresa”. Atualmente, o site oficial da companhia diz apenas que suas operações comerciais e de exploração estão suspensas. Não há, até o momento, confirmação de que parentes de algumas das vítimas tenham processado a OceanGate.
As investigações sobre o caso, feitas por autoridades americanas e canadenses com cooperação de franceses e britânicos, seguem. A Guarda Costeria dos EUA disse que seu objetivo é de ajudar a impedir que novas tragédias do tipo ocorram novamente, mas que recomendações sobre sanções civis e criminais também podem ser feitas:
— Meu objetivo principal é evitar um incidente similar com as recomendações necessárias para aumentar a segurança do domínio marítimo em todo o mundo — disse Jason Neubauer, investigador-chefe da Guarda Costeira, em uma entrevista coletiva em Boston.