Portal BEI

Como o desastre ambiental em Maceió tem afetado empreendedores — hoje e nos últimos cinco anos

Fonte: Redação

O alerta do risco de colapso de uma mina da Braskem no bairro do Mutange, em Maceió (AL), emitido no dia 29 de novembro, trouxe efeitos distintos para empreendedores da cidade. A repercussão do caso gerou apreensão em negócios ligados ao turismo, que têm buscado tranquilizar viajantes sobre a situação na cidade. Também trouxe luz às dificuldades enfrentadas há mais de cinco anos por aqueles que tinham empresas em bairros evacuados — ou que ainda atuam nas proximidades.

O empreendedor Fábio Faria, 45 anos, vive um misto das duas situações. Ele é dono de um restaurante localizado no bairro do Farol, próximo a uma área desocupada. Apesar de não ter precisado deixar o local, enfrentou uma queda de 50% no movimento de clientes nos últimos anos. “Antes a gente atendia os residentes, e hoje o público é muito mais comercial. Eu diminuí a quantidade de colaboradores e deixei uma operação só no almoço.”

Faria também tem outro restaurante e uma pousada no bairro da Pajuçara, região turística na orla de Maceió. Nesse caso, sentiu reflexos mais recentes, decorrentes das repercussões e do temor de alguns turistas sobre a situação da cidade. “Tivemos diversos cancelamentos de pessoas que viriam [para a pousada] entre fevereiro e abril. A redução da procura também foi muito acentuada.”

Pousada do empreendedor Fábio Faria registrou cancelamentos devido ao temor de alguns turistas sobre a cidade — Foto: Arquivo Pessoal
Pousada do empreendedor Fábio Faria registrou cancelamentos devido ao temor de alguns turistas sobre a cidade — Foto: Arquivo Pessoal

Segundo ele, a preocupação atinge principalmente turistas de outras regiões do país, que não conhecem a cidade e, portanto, não entendem o mapeamento das áreas de risco. Ele ressalta que, para o público do município e da região, o contexto do desastre ambiental não é novo. “Para o resto do mundo, era como se não estivesse acontecendo nada em Maceió.”

Artesãos do bairro do Pontal da Barra, região turística localizada na margem da Lagoa Mundaú — sob a qual, em outra área, está parte da mina 18 da Braskem — também notaram queda no fluxo de clientes, conforme apurou a TV Gazeta, afiliada da Globo na região. Há ainda os impactos para pescadores e marisqueiras que atuavam na lagoa e foram forçados a paralisar as atividades.

Nas últimas semanas, a Secretaria de Estado do Turismo de Alagoas (Setur) e outras entidades, como a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) e o Sindicato Empresarial de Hospedagem e Alimentação de Alagoas (SINDHAL), têm se esforçado para divulgar que o risco de colapso não atinge os pontos turísticos de Maceió.

Segundo dados da Setur, a capital tem cerca de 3,5 mil empresas no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur). Em um comunicado do último dia 7, a pasta afirma que “não há registros oficiais de cancelamentos de viagens ou redução de fluxo turístico na capital”. Em outra nota, porém, expressa preocupação de que negócios ligados ao setor direta ou indiretamente “possam ser prejudicados por uma possível diminuição do fluxo turístico em plena alta temporada”.

O ministro do Turismo, Celso Sabino, e o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, devem visitar Maceió neste sábado (16) para discutir medidas de fomento ao turismo na cidade. Segundo a prefeitura municipal, o Ministério do Turismo planeja viabilizar uma linha de crédito voltada aos bares, restaurantes e hotéis afetados diretamente pelo desastre ambiental.

Uma saga que se estende por anos

Para além dos desdobramentos mais recentes, os efeitos do desastre ambiental causado pela exploração de sal-gema pela Braskem em Maceió já são sentidos desde 2018 por empreendedores — e famílias — de bairros que tiveram áreas desocupadas. Hoje, há cinco na lista: Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Cerca de 60 mil pessoas deixaram a região.

Segundo dados divulgados pela mineradora, 14.544 imóveis foram identificados nas áreas do mapa de risco da Defesa Civil. Destes, 4.502 eram de atividade comercial ou mistos e foram inclusos no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), mantido pela companhia.

Alexandre Sampaio, 55 anos, e sua esposa e sócia, Kátia Lanusia Sousa Moura Sampaio, 57, administravam três negócios no bairro do Pinheiro: uma imobiliária, uma empresa de marketing e uma clínica de psicologia e nutrição, que alugava salas para outros profissionais da área.

“Fomos praticamente as primeiras pessoas a sair do bairro. No início de 2019, antes mesmo de a Braskem ser responsabilizada [pelos danos], chegamos à conclusão de que, se não saíssemos, iríamos quebrar”, conta o empresário. “Tínhamos feito uma reforma de R$ 200 mil e perdemos tudo. Com o pouco dinheiro que tínhamos, saímos de uma casa de 200 metros para uma de 42, para caber as três empresas.”

Kátia e Alexandre Sampaio tiveram de realocar suas três empresas devido aos impactos no bairro. Depois disso, não conseguiram manter todas as operações — Foto: Arquivo Pessoal
Kátia e Alexandre Sampaio tiveram de realocar suas três empresas devido aos impactos no bairro. Depois disso, não conseguiram manter todas as operações — Foto: Arquivo Pessoal

Com as mudanças, os dois não conseguiram manter as mesmas operações. Hoje, Sampaio administra apenas uma incorporadora em Coruripe, município a cerca de 87 quilômetros de Maceió, e sua esposa tem um consultório de uso próprio.

O empreendedor relata que teve dificuldades para ter seus prejuízos ressarcidos, já que ele e a esposa atuavam em imóveis alugados. “Os processos foram baseados na propriedade e não no uso”, afirma, completando que só recentemente fechou um acordo com a empresa. “Após anos negociando um valor maior, chegamos na situação de que ou aceitávamos, ou iríamos para a Justiça e ficaríamos mais 20 anos.”

Dirceu Buarque de Freitas, 59 anos, também administrava um negócio no bairro do Pinheiro: uma padaria fundada há mais de 40 anos pelo seu pai. Diferentemente de Sampaio, ele não deixou a região de imediato, mesmo diante das ordens de evacuação. Resistiu até o final de 2021, quando conseguiu fechar um acordo com a Braskem. Nesse meio tempo, enfrentou os efeitos do esvaziamento do bairro — e da pandemia.

A padaria de Dirceu Buarque de Freitas havia sido passada de pai para filho. O plano era fazer uma nova sucessão — Foto: Reprodução/Facebook
A padaria de Dirceu Buarque de Freitas havia sido passada de pai para filho. O plano era fazer uma nova sucessão — Foto: Reprodução/Facebook

“Até hoje eu não recomecei. Não tive condições psicológicas e me sinto cansado”, diz. Ele conta que seu plano era passar a padaria para a filha, que se preparava para cursar gastronomia. “Se eu tivesse 20 anos e minha padaria tivesse dois, com certeza eu teria aberto outra imediatamente. Mas não existe mais aquele pique para recomeçar, até porque iria competir com um pessoal já estabelecido em outra região.”

Buarque e Sampaio contam que conseguiram que as perdas no faturamento dos negócios fossem consideradas no cálculo das indenizações, mas que esse não foi o caso de outros empresários que conhecem. Eles também criticam a dificuldade de obter suporte financeiro no período, como linhas de crédito mais acessíveis.

Segundo Keylle Lima, diretor-técnico do Sebrae-AL, a entidade manteve contato com a Desenvolve-AL, agência de fomento do estado, para oferecer condições diferenciadas a empreendedores afetados. Mas ele confirma que, de fato, não houve acesso facilitado a linhas bancárias tradicionais ou o apoio de um fundo garantidor, como aconteceu com empresas durante a pandemia, por exemplo.

Os desafios do entorno

Assim como um dos restaurantes de Faria, a gráfica de Junior Santos, 40 anos, não entrou no mapa de risco. Mas, no caso dele, os efeitos do esvaziamento do bairro foram mais severos. “Fomos perdendo faturamento nos últimos anos, até chegar a uma queda de 90%”, conta. “Estamos isolados aqui, praticamente no meio do nada.”

Como o imóvel é próprio, ele conta que não teria condições de se estabelecer em outro lugar a menos que conseguisse vendê-lo — algo difícil, devido à desvalorização do ponto. Quando o risco de colapso foi anunciado, há duas semanas, ele diz que a situação piorou. “Teve cliente que ligou e disse que não viria aqui. Perguntou de podíamos ir até o local para atender lá.”

Andrezza Lira, 38 anos, é dona de um espaço terapêutico que, até semana passada, também estava localizado no bairro. Ela diz que sentiu um tremor no imóvel na madrugada de segunda (11/12) e que, depois, notou o aparecimento de rachaduras nas paredes. Insegura, decidiu deixar o imóvel, que era alugado. “Precisamos quebrar o contrato de locação e agora estamos com a agenda [da clínica] parada”, lamenta.

A empreendedora Andrezza Lira deixou o imóvel em que ficava seu espaço terapêutico após notar rachaduras nas paredes — Foto: Arquivo Pessoal
A empreendedora Andrezza Lira deixou o imóvel em que ficava seu espaço terapêutico após notar rachaduras nas paredes — Foto: Arquivo Pessoal

Procurada por PEGN, a Defesa Civil afirmou, por meio de sua assessoria, que não há registro de sismo na rua em que está localizado o imóvel. Porém, não confirmou se o tremor relatado por Lira pode ser decorrente de uma ocorrência próxima ao local. O órgão diz estar monitorando toda a área adjacente ao mapa de risco. “Esse monitoramento nos permite acompanhar a evolução do evento e, quando necessário, realizar a atualização do mapa adicionando novas áreas.”

Para os que decidem realocar suas empresas em outros bairros, ainda há o desafio de reconquistar clientela e estabilidade financeira. Uma pesquisa realizada por Camila Tavares, Anderson Moreira e Natallya Levino, no programa de pós-graduação em economia da Universidade Federal do Alagoas, aplicou questionários a 130 empreendedores de áreas desocupadas e das suas bordas para avaliar esses impactos. Do total, 65% retomaram as atividades em outra localidade. Em geral, porém, relatam queda nos índices de rentabilidade e liquidez entre 2018 e 2023.

“Mesmo que [pequenas empresas sejam] indenizadas, a sua realocação é difícil, pois terão de disputar o mercado em outros bairros que já estão com suas atividades instaladas e seus clientes acostumados com os lojistas locais. A indenização não previu esta dificuldade”, avalia Kennedy Calheiros, presidente da Associação Comercial de Maceió-AL, em nota.

O que diz a Braskem

No seu site, a Braskem informa ter feito 6,1 mil propostas para comerciantes e empresários das áreas desocupadas, das quais 5,5 mil foram pagas. Procurada, a empresa afirmou que o número abrange tanto proprietários dos imóveis quanto locatários e comodatários, que recebem propostas de indenização distintas.

Ainda segundo a companhia, a compensação abrange aspectos relacionados à operação, como os lucros cessantes, “nos casos em que fique comprovada a atividade econômica”. “Atendidos os requisitos jurídicos, são incluídos outros elementos, tais como o ponto comercial e os custos comprovados em geral, inclusive aqueles relativos ao pagamento de verbas rescisórias para demissões decorrentes da desocupação, e os custos para a instalação do negócio em outro imóvel”, diz, em nota.

Questionada sobre a existência de disparidades nos acordos firmados, a empresa afirmou que “as propostas são apresentadas quando há comprovação da existência da atividade econômica até a desocupação da área e levam em conta a formalidade ou não do comércio desenvolvido.”

“Em relação aos lucros cessantes, considerando a característica de informalidade dos comércios da região e ausência de documentos comprobatórios na maioria dos casos, a Braskem contratou uma consultoria especializada para estimar os lucros por ramo de atividade, disponibilizando aos interessados esta possibilidade, quando atendidos os demais requisitos”, completa a nota.

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest
Telegram
+ Relacionadas
Últimas

Newsletter

Fique por dentro das últimas notícias do mundo dos negócios!