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Quando a “artista da rua” Rita Wainer pintou a rainha do pop Madonna – NeoFeed

Fonte: Karina Sergio Gomes

Em uma bandeira, em um cartão postal ou em um prato de porcelana; na lateral de um prédio de 50 metros de altura, na piscina ou na parede da sala de estar; não importa o suporte, lá está (um) a mulher de cabelos pretos, olhos amendoados e aura misteriosa. Às vezes, ela vem acompanhada de uma frase, um animal ou um coração em chamas. De outras, vem sozinha.

Quem pinta essa mulher é a artista paulistana Rita Wainer, de 45 anos. Ela também tem cabelo escuro, olhos amendoados e um certo ar de mistério.

Rita garante, no entanto, não se tratar de autorretrato, mas da personagem que criou para habitar o seu universo criativo.

Recentemente, sua figura mais famosa deu lugar a uma mulher de verdade — Madonna.

Rita criou 15 peças originais inspiradas na cantora e compositora americana para compor o mural de 670 metros quadrados, que, em formato lambe-lambe, cobriu as áreas interna e externa do show da “rainha do pop” na praia de Copacabana.

No sábado, 4 de maio, Madonna reuniu 1,6 milhão de pessoas para a última apresentação da The Celebration Tour e transformou, por duas horas, o bairro carioca em uma gigantesca e alegre pista de dança.

“Foi uma honra fazer parte desse projeto, sendo eu uma artista independente”, diz Rita, em conversa com o NeoFeed, do Rio de Janeiro, onde vive há cerca de dez anos. “Quando a produção me convidou, não pensei duas vezes: aceitei na hora”.

Com total liberdade para criar, a artista focou nas características de Madonna que ela julga mais marcantes: os olhos, a boca e o cabelo.

“Madonna é uma referência para mim. Ainda adolescente, admirava aquela mulher poderosa, que quebrava padrões e tabus por onde passava — o que, aliás, ela faz até hoje. E foi essa emoção que senti quando fiz as artes”, conta a artista plástica.

E ela completa: “Hoje, também me reconheço como artista e feminista, com coragem de criar à minha maneira e de entrar em espaços masculinos sem suprimir a minha feminilidade.”

“A cidade é nossa”

Rita leva sua arte para todos os lugares. Já pintou mais de 20 murais, muitos em espaços públicos.

Em 2017, a convite do bloco de carnaval Acadêmicos do Baixo Augusta, pintou um mural de 1,5 mil metros quadrados na lateral de um edifício no centro da capital paulista.

No painel, uma mulher de cabelo preto, envolta pela bandeira de São Paulo e com o punho direito levantado. Acima dela, a inscrição “A cidade é nossa”. Em novembro de 2023, o grafite foi coberto.

Rita assina também o mural no Píer Mauá, centro do Rio de Janeiro, de 2016. A mulher de cabelos pretos, agora esvoaçantes e com um coração acima da testa, anuncia: “saudade é amor. te sigo esperando”.

Embora pudesse apenas projetar os desenhos e terceirizar a produção de seus murais, Rita faz questão de subir no andaime e pintar com sua equipe. “Enquanto meu corpinho estiver funcionando, estarei lá pintando”, diz ela.

Seu impulso criativo, digamos, está no DNA. Filha da artista plástica Pinky Wainer e do diretor e produtor audiovisual Roberto de Oliveira, neta da modelo e escritora Danuza Leão e do jornalista Samuel Wainer, Rita pinta desde criança.

A artista explorou algumas das caraterísticas mais marcantes de Madonna, os olhos, a boca e os cabelo (Foto: Rita Wainer/Divulgação)

Rita diz que as figuras femininas de suas obras não são um autorretrato, mas uma “personagem que criou para habitar o seu universo criativo” (Foto: Rita Wainer/Divulgação)

Em 2016, ela pintou o mural “saudade é amor. te sigo esperando”, no Píer Mauá, no Rio de Janeiro (Foto: Rita Wainer/Divulgação)

Depois de seis anos, o painel “A cidade é nossa”, no centro paulistano, foi apagado no fim de 2023 (Foto: Rita Wainer/Divulgação)

Rita também já desenvolveu uma coleção de pratos pintados (Foto: Rita Wainer/Divulgação)

A artista só aceitou interpretar a Marquesa de Santos no filme de Laís Bodanzky se pudesse interpretar a mulher que pinta. Por isso, a marquesa de Rita chorava guache preta (Reprodução: festivaldorio.com.br)

Aos 20 anos, porém, antes de se lançar entre pincéis e tintas, foi pintar camisetas.

“Eu acho que demoraria muito mais para ter minha liberdade financeira se já começasse tentando vender meu trabalho artístico”, lembra. “Naquele momento, era mais fácil vender uma roupa com um desenho meu e acabei indo para a moda.”

Deu certo. Vendia as peças pelo correio até que, em 2003, veio o convite para apresentar sua marca na Casa dos Criadores, ponto de partida para muitos estilistas, hoje consagrados.

Rita, que não tinha uma marca até então, criou a Theodora, em homenagem à gata da época. Os desfiles a projetaram no ecossistema fashion e ela chegou a ter duas lojas físicas, em pontos valorizados da capital paulista — Jardins e Higienópolis. Foi ainda contratada como designer da Ellus Second Floor.

Sua carreira na moda ia bem, obrigada. Mas não era esse o objetivo.

“Eu estava me organizando para começar a ser artista com alguma segurança”, revela Rita. Quando se sentiu pronta, passou a se dedicar integralmente à carreira artística.

Para Rita, a experiência com a moda também lhe ensinou como lidar com o comércio e vender ela mesma seus trabalhos. “Foi uma estratégia para fazer uma transição de carreira”, diz ela. Mais uma vez, deu certo.

“Você pode parcelar”

O mesmo sistema que usava para divulgar suas criações como estilista, aplicou na divulgação de seu trabalho como artista. Criou um catálogo de obras que enviava para uma base de e-mails.

“Eu sempre vi muito potencial na internet, ser um lugar onde eu poderia alcançar muito mais gente. Hoje, eu tenho clientes no Brasil inteiro e no mundo inteiro também”, explica. “Sou dona de minha própria galeria.”

Alheia ao mercado formal de arte, Rita criou seu próprio negócio, seu jeito de negociar sua arte. Junto com uma equipe de 14 pessoas, cuida de todo o processo — da produção à venda dos projetos. Pelas redes sociais, quando anuncia uma nova obra, faz questão de avisar: “Você pode parcelar”.

Seu desejo é facilitar que qualquer um que queira ter seu trabalho consiga tê-lo em uma transação transparente, sem ter vergonha de perguntar o preço.

“É uma compra afetiva. Eu quero que você tenha o meu trabalho porque gosta dele, não como uma peça que vai valorizar, para um dia, você vender”, afirma. “Eu me importo muito mais com isso do que com a valorização no sentido do mercado.”

Se ela tem o sonho de que seu trabalho chegue a uma galeria ou um museu? “Eu prefiro muito mais estar na rua. Ter um mural onde todas as pessoas tenham acesso.”

Suas obras também já apareceram nas telas de cinema. Estão em Boa sorte, de Carol Jabor, e Muitos homens num só, de Mini Kerti.

Para o filme A viagem de Pedro, de Laís Bodansky, de 2021, a proposta foi mais ousada. A Rita foi proposto dar vida a Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos.

Mas ela só aceitaria o convite sob uma condição: se ela pudesse ser a mulher que ela pintava.

“Eu entendo esse trabalho mais como uma performance artística do que como uma atuação minha como atriz. A personagem que aparece na minha obra é a única que eu conseguiria representar”, diz.

Por isso, em uma cena em que a marquesa chora, em vez de lágrimas, escorreu de seus olhos, tinta preta, como em seus desenhos.

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