O Congresso Nacional promulgou nesta quarta-feira a emenda da reforma tributária após décadas de discussão, em sessão solene e concorrida que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que provocou uma disputa entre parlamentares de situação e oposição com vaias e gritos de apoio ao petista.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária teve a sua tramitação concluída na sexta-feira, quando a Câmara dos Deputados finalizou sua última votação. Agora, a reformulação do sistema tributário nacional ainda precisará de uma série de leis complementares para regulamentar seus pormenores.
“Nosso trabalho não acabou”, disse o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em discurso após a promulgação. “Já assumo aqui o compromisso público de, já no primeiro dia Legislativo desta Casa em 2024, começarmos a discutir a indispensável legislação complementar que irá calçar a reforma promulgada hoje”, afirmou.
Em agradecimento a todos os envolvidos nas negociações, e enaltecendo o papel do Legislativo ao votar a proposta, o presidente do Congresso Nacional, senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aproveitou para reconhecer o trabalho do Executivo para a histórica aprovação de uma proposta discutida há pelo menos três décadas no Parlamento.
“Impossível deixar de mencionar o esforço do governo federal pela aprovação desta que é a maior reforma já aprovada pelo Congresso Nacional. É verdadeiramente digno de nota que, no primeiro ano de mandato de um governo, tenhamos chegado a um resultado tão satisfatório”, disse Pacheco.
“Portanto, destacamos o apoio do presidente da República, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a abertura do ministro Fernando Haddad e a perseverança do secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernardo Appy, para que conseguíssemos o lastro necessário para chegarmos a essa aprovação”, acrescentou o senador.
As menções ao governo e a Lula, tanto da parte de Pacheco quanto por Lira em seu discurso, não passaram desapercebidas pelo plenário lotado, que se dividiu entre parlamentares que gritavam palavras de ordem em apoio ao presidente — “Lula guerreiro do povo brasileiro” — e outros que o vaiavam e o chamavam de “ladrão”.
Em meio à disputa, o deputado Messias Donato (Republicanos-ES) foi agredido com um tapa no rosto pelo deputado Washington Quaquá (PT-RJ), de acordo com um vídeo do incidente divulgado pela assessoria de Donato. Procurada, a liderança do PT na Câmara não respondeu de imediato a um pedido de comentário.
Ao discursar, Lula afirmou que os parlamentares ali presentes não precisavam concordar com o texto defendido pelo governo, mas, mesmo assim, demonstraram seu compromisso com o país ao aprovar a PEC da reforma.
“Ela (a reforma), certamente, não vai resolver todos os problemas, mas ela foi a demonstração de que este Congresso Nacional, e eu já vivi aqui dentro, independentemente da postura política de cada um, independentemente do partido de cada um, este Congresso Nacional, toda vez que teve que mostrar compromisso com o povo brasileiro, ele mostrou”, disse o presidente.
“E é esse Congresso, com direita e esquerda, com centro ou qualquer outra coisa, mulheres e homens, negros e brancos, esse Congresso é a cara da sociedade brasileira que votou nas eleições de 2022”, acrescentou.
Em aceno a um outro Poder, o Judiciário, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a reforma tributária agora tem um guardião, o Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro destacou que a reforma foi construída sob um regime democrático e fez um apelo ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que também estava presente, para que ela seja “recebida com a generosidade que merece”.
PERÍODO DE TRANSIÇÃO
A promulgação da emenda é encarada como um fato histórico, com resultados positivos, na opinião de representantes do governo. O secretário Appy, por exemplo, avalia que a reforma terá impacto positivo sobre a taxa de investimento no país.
Na terça-feira, Haddad comemorou a elevação da nota de crédito do Brasil pela S&P, e afirmou que a reforma tributária, destacada pela agência de classificação de risco como determinante para a mudança, foi o “ponto alto” de uma trajetória de coordenação entre o Executivo e o Legislativo para a aprovação de medidas do governo.
Assim que assumiu seu terceiro mandato, Lula elegeu a reforma tributária como uma de suas prioridades. Na mesma linha, os presidentes da Câmara e do Senado também elencaram o assunto na lista de suas principais metas ao assumirem os comandos das duas Casas do Congresso.
A efetiva implementação do novo sistema ocorrerá após um período de transição e ainda dependerá da aprovação de leis complementares de regulamentação.
A reforma substitui PIS e Cofins (federais) por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e aglutina ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Pouco depois de a Câmara aprovar o texto-base em primeiro turno, na sexta-feira, Haddad, disse que sua equipe ainda iria que calcular seu impacto, mas avaliou que a alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) deve seguir próximo à faixa anteriormente estimada.
A Fazenda havia calculado que a alíquota padrão do IVA — a ser definida posteriormente em projeto de lei — ficaria entre 25,9% e 27,5%, a partir de mudanças à proposta aprovadas no Senado.
O texto define que será criado um imposto seletivo, a ser cobrado na produção ou comercialização de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, mas não poderá mais incidir sobre armas e munições.
O novo sistema terá um teto para a arrecadação da tributação sobre consumo, mantendo patamar equivalente à média da receita observada no período de 2012 a 2021 como proporção do PIB.
A proposta define ainda que o Fundo de Desenvolvimento Regional, destinado a compensar Estados impactados pelas novas regras, receberá um aporte anual total que, após período de transição, chegará a 60 bilhões de reais em 2043.
O novo modelo ainda terá um sistema de “cashback”, que retornará parte do tributo a famílias mais pobres. O mecanismo será regulamentado posteriormente.
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