Em sua 20ª edição, a SP – Arte se firma como a maior maior feira de arte da América Sul. Aberta até domingo, 7 de abril, no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, a mostra revolucionou o mercado nacional de arte.
Peça-chave na renovação do cenário artístico do país, ao longo dos últimos 19 anos, o evento despertou o interesse dos brasileiros (e dos estrangeiros) para o que é produzido aqui, ampliou o número de eventos e galerias de arte e, claro, de negócios.
Em apenas cinco dias de evento, a SP – Arte costuma movimentar cerca de 30% de todas as vendas realizadas no Brasil, durante um ano inteiro — o equivalente a cerca de R$ 250 milhões.
Se, em 2005, eram 40 galerias participantes e 7 mil visitantes; hoje, são 200 expositores, nacionais e internacionais, e um público esperado de 30 mil pessoas. Somando todas as vinte edições, a feira atraiu meio milhão de indivíduos para o prédio projetado, na década de 1950, por Oscar Niemeyer (1907-2012).
Muitos galeristas esperam para expor suas obras mais importantes lá. Neste ano, por exemplo, estão na feira o italiano Lucio Fontana (1899-1968) e o brasileiro Alfredo Volpi (1896-1988). Ao lado de grandes artistas do século 20, representantes das artes indígenas, que até pouco tempo atrás não tinham espaço no mercado e, agora, são tendência.
No decorrer de sua história, a SP – Arte não só revelou novos nomes e consagrou os já consagrados como resgatou muita gente do esquecimento. Um dos casos mais emblemáticos da força do evento foi o do modernista mineiro Amadeo Luciano Lorenzato (1990-1995).
Há dez anos, a galeria Manoel Macedo, de Belo Horizonte, levou algumas obras do pintor para a SP – Arte. Desde então, as pinturas de Lorenzato estão valendo dez vezes mais.
Por trás de todo esse movimento, está a advogada Fernanda Feitosa, de 57 anos. Nascida no Rio de Janeiro, ela se mudou para a capital paulista, na adolescência, acompanhando os pais.
Ex-nadadora, recordista brasileira e sul-americana nos 200 e 400 metros medley, nos anos 1980, Fernanda se formou em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e fez mestrado na Universidade de Boston, nos Estados Unidos.
Trabalhou no banco JP Morgan e chegou a diretora jurídica do site Submarino. No ano 2000, ela trocou novamente de cidade. Foi para Buenos Aires acompanhando o marido Heitor Martins, também advogado, e, atualmente, sócio sênior da consultoria McKinsey e presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp).
Em terras argentinas, Fernanda se dedicou aos filhos João e Maria, àquela época, pequenos. Inspirada pela ArteBA, a feira portenha de arte, idealizou o evento paulista. Não havia nada parecido no Brasil, até então. De volta para casa, em 2005, Fernanda colocou de pé a primeira SP – Arte.
Em entrevista ao NeoFeed, ela fala sobre as transformações do mercado de arte brasileiro, o perfil dos novos consumidores e a arte como investimento.
Veja a seguir, os principais trechos da conversa:
O que mudou no mercado brasileiro de arte nesses 20 anos de feira?
O mercado cresceu, o Brasil passou por transformações importantes e a feira segue essas mudanças. Faz parte da missão da SP – Arte ampliar o acesso à arte. Nosso foco também é promover a arte brasileira para estrangeiros. E uma coisa que fizemos bem nesses 20 anos foi atrair um número cada vez maior de pessoas para a feira, facilitando o contato delas com a produção artística.
E o perfil do colecionador?
Hoje, são pessoas mais jovens, gente que, até pouco tempo atrás, não se sentia atraída pela comunidade da arte. Eu não falo mais apenas com o avô, mas com o filho e o neto dele. O rejuvenescimento do público é importante pois ajuda desmistificar a ideia de que só quem tem dinheiro pode participar. Feira de arte é um evento cultural.
Em geral, as pessoas acham que arte custa caro.
Não existem apenas obras de milhões. Senão, o que seriam dos artistas jovens? Os artistas que hoje valem milhões um dia já custaram alguns milhares.
A arte indígena é tendência no mercado. Na imagem, obra de Acelino Sales – MAHKU, Dau Shawãe Penturi (Crédito: Divulgação).
A obra “Summer love – Gamboa seasons”, de Beatriz Milhazes, foi vendida na SP – Arte por R$ 16 milhões; o maior preço já pago por um trabalho da artista (Crédito: Divulgação)
A SP – Arte revela novos artistas, mas também consagra os grandes nomes da arte, como Alfredo Volpi. Na imagem, obra sem título, de 1962 (Crédito: Divulgação)
O artista pernambucano Fefa Lins é um dos nomes mais promissores da nova geração. Na imagem, “sextupla Mastectomia”, óleo sobre tela, de 2023 (Crédito: Divulgação)
Destaque da última Bienal de São Paulo, a artista carioca Tadaskía está na SP – Arte (Crédito: Divulgação)
Como a SP – Arte conseguiu fazer com que o brasileiro se interessasse por arte?
Todos os anos, procuro novidades —galerias europeias, latinas, voltadas para arte popular, street art, design, artistas indígenas… Ao fazer isso, ampliamos o público da SP – Arte porque as pessoas com esses interesses passam a frequentar a feira. É um ciclo virtuoso.
O preço de venda de alguns artistas brasileiros bateram recorde na SP – Arte. Um dos casos mais famosos é a tela Summer love – Gamboa seasons, de Beatriz Milhazes, comprada, em 2016, por R$ 16 milhões, por Marcel Telles, um dos sócios da Ambev. Como a feira ajuda na valorização da arte brasileira?
É um movimento natural. Como a SP – Arte é o maior evento do país, as galerias reservam as melhores obras para vender aqui. Para você ter uma ideia, a feira representa 30% do mercado de arte anual do Brasil. E são apenas cinco dias de evento.
Arte é um bom investimento?
Um amigo me falou uma frase muito interessante, que define bem: “Nunca comprei arte como investimento, mas foi o melhor investimento que eu fiz na vida”. É um estilo de vida que se abre, uma comunidade muito diversa, que você não só passar a acompanhar, mas também a pertencer. Vejo como um investimento mais pessoal do que monetário. Quando você compra um carro, ele vale menos assim que sai da concessionária. Quando você compra uma obra de arte, existe a dúvida; pode ser que você tenha comprado um artista que será o próximo Basquiat. Esse mistério faz parte do encantamento.
O que levar em conta em uma coleção de arte?
Coerência é importante. Muitos tipos de obras vão te atrair, mas é impossível comprar tudo. Então, tentar achar uma identidade na sua coleção ajuda no processo de compra. Também existe a opção de contratar um art advisor, alguém que ajuda a navegar no mercado da arte.
O interesse por arte indígena e de artistas periféricos é passageiro?
A representação da cultura indígena, popular, da identidade negra que emerge nesse momento e foi impulsionada na pandemia, faz parte da urgência de reconhecer vozes plurais. É uma demanda da sociedade. A nova geração quer ver essa pluralidade representada, ouvir essas vozes.
E, em relação à sua coleção particular: é a mesma da do seu marido? Como você escolhe o que vai entrar no seu acervo?
Colecionar é algo muito gostoso de fazer com o companheiro. É gostoso compartilhar, ver o que gostam juntos, os valores pessoais de cada um e a identidade do casal. A gente tem uma coleção muito representativa do Brasil, com fotos da Claudia Andujar e Anna Maria Maiolino; peças do Nuno Ramos, Sérgio Camargo e Lygia Clark. Além de algumas obras latino-americanas que dialogam com as nacionais.
Você já vendeu alguma obra da sua coleção?
De vez em quando, a gente vende para comprar outra. Eu acho importante essa reciclagem na própria coleção. O que a gente gostava 20 anos atrás muda e a gente começa a gostar de outras coisas. É uma oxigenação.
A escolha de Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, como curador da Bienal de Veneza, um dos eventos mais importantes do mundo, impacta o valor das obras brasileiras?
Olha, se não impactar na valorização, certamente está impactando na autoestima de todos nós. Estamos todos muito orgulhosos, como país e comunidade que o acompanha há tantos anos. Vai uma delegação representativa com mais de 30 artistas brasileiros. É uma oportunidade maravilhosa para o Brasil. O mundo vai conhecer artistas brasileiros que até agora não tiveram tanta visibilidade.