A Justiça de São Paulo decidiu na última segunda-feira (20/10) que a 99Food não pode mais incluir cláusulas contratuais que impeçam restaurantes parceiros de firmar contratos com a Keeta, startup chinesa de delivery de refeições que iniciará operação no Brasil no fim deste mês. A sentença reconheceu que a prática era anticoncorrencial e discriminatória, configurando uma barreira indevida à entrada da concorrente no mercado. Em entrevista a PEGN, a 99Food confirmou que vai recorrer da decisão.
“Estamos tranquilos e confiantes de que nossas práticas são legais. Na minha opinião, estamos falando de cláusulas que não existem no Brasil e é normal que essas discussões aconteçam. Não temos nada a esconder”, declarou Bruno Rossini, diretor sênior de comunicação da 99.
De acordo com o executivo, desde agosto a 99Food alterou o contrato de exclusividade parcial a pedido dos estabelecimentos. A empresa trabalha com três formatos: sem exclusividade – adotado pela maioria dos restaurantes, segundo Rossini –, exclusividade parcial e exclusividade total. O contrato que previa a exclusividade parcial nomeava a Keeta, o que gerou a ação na Justiça.
A Keeta alegou sofrer “barreira ilícita para ingresso no mercado” criada pela 99Food. Segundo a chinesa, a rival vinha inserindo uma “cláusula de banimento” em contratos com restaurantes estratégicos, exigindo que eles não mantivessem nenhum tipo de relação comercial com empresas ligadas ao grupo econômico da Keeta.
Startups:
A chinesa pediu liminar para suspender imediatamente os efeitos dessas cláusulas e impedir que a 99Food as utilizasse em novos contratos. Também solicitou que a empresa apresentasse cópias dos contratos e listas de restaurantes afetados, além de indenização por eventuais prejuízos.
Em sua defesa, a 99Food alegou que a Keeta ainda não opera comercialmente no Brasil — não possuindo aplicativo ativo nem histórico de entregas — e, portanto, buscava proteção para uma “expectativa de direito”, não para um dano concreto. A empresa também afirmou que as cláusulas questionadas eram de “exclusividade parcial”, prática reconhecida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e que serviriam para equilibrar a disputa com o iFood, que detém mais de 80% do mercado.
De acordo com Rossini, a cláusula de exclusividade parcial atual permite que o restaurante venda pelas plataformas 99Food e iFood. “Nenhum restaurante que tenha acordo com dependência de faturamento do iFood vai topar sair para assinar contrato de exclusividade com uma marca entrante. A gente sabia que os restaurantes não iam aceitar essa troca e a gente precisava começar a trabalhar para mostrar o nosso potencial para eles”, afirma.
A 99Food argumentou ainda que a suspensão das cláusulas traria prejuízos aos restaurantes parceiros, obrigando-os a devolver investimentos recebidos como contrapartida pela exclusividade – a Keeta afirma que R$ 900 milhões teriam sido investidos pela concorrente em estabelecimentos. Oficialmente, a 99Food declara que investirá R$ 2 bilhões no Brasil até junho do ano que vem para chegar a 100 cidades.
Na decisão, o juiz Fábio Henrique Prado de Toledo, da 3ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem de São Paulo, rejeitou os argumentos da 99Food e considerou ilícita a prática. Segundo ele, o ordenamento jurídico brasileiro não permite que uma empresa impeça parceiros comerciais de contratar um concorrente específico.
“A discriminação entre concorrentes, elegendo-se arbitrariamente um deles como alvo de exclusão, não encontra amparo em nenhuma racionalidade econômica legítima”, afirmou o magistrado.
O juiz destacou que cláusulas de exclusividade podem ser admitidas em determinadas circunstâncias, desde que genéricas, proporcionais e justificadas por motivos comerciais legítimos. No entanto, ao nomear diretamente a Keeta como concorrente proibida, a 99Food teria violado os princípios da livre concorrência e da isonomia.
A sentença reconhece a nulidade das cláusulas discriminatórias e impõe à 99Food a obrigação de não incluí-las em futuros contratos, sob pena de multa de R$ 100 mil por cada violação. Os restaurantes que já firmaram contratos poderão, se assim preferirem, rescindir o compromisso sem sofrer penalidades, mas não há obrigação para isso: o magistrado defende a autonomia dos parceiros.
Em entrevista a PEGN no início do mês, Danilo Mansano, vice-presidente da Keeta no Brasil, afirmou que o combate aos contratos de exclusividade é prioridade em todos os mercados em que a Keeta atua. “Tem que vencer aquele que oferece o melhor serviço todo dia. E não por conta de um contrato que bloqueia alguém por três, quatro anos. Essa é nossa briga”, disse na ocasião.







