Era um dos momentos mais esperados se confirmou como um momento de conexão coletiva. A conversa da Brené Brown entrevistando a Esther Perel toca em pontos fundamentais da sociedade e se desenvolve a partir da pergunta sobre como acompanhar e absorver tudo o que está acontecendo a nossa volta: redes sociais, informações através da inteligência artificial, guerras, etc. Cenários que, como diz a Brené, ultrapassam a escala humana, que vão além da compreensão ou alcance dos seres humanos por sua complexidade que transcende as experiências humanas comuns.
Esther apresenta duas expressões, que funcionam como reações, como respostas a essa ânsia, anseio, busca pela necessidade de conexão real, o senso de comunidade, de transcender os fardos do “eu” individual com a busca por uma liberdade sem precedentes, que também nos coloca em uma espécie de tirania da dúvida e da incerteza sem precedentes.
O que tudo isso provoca se chama, segundo a Esther, em Intimidade Artificial.
E ela se se traduz em experiências que são, na realidade, pseudoexperiências.
No dia a dia o que se percebe é uma falta de atenção com o outro. Quando duas pessoas estão conversando e, uma delas pega o celular, o que esta pessoa está dizendo é que a outra pessoa não importa tanto. Ela exemplifica: “Se eu estou falando algo profundamente pessoal com você, e você me responde com risos, ou com um joinha com o polegar. Ao invés de me sentir conectada, aberta com você, vou sentir uma certa solidão. Você está lá, mas não está presente.” Essa falta de atenção é um tipo de solidão, que começa a se infiltrar nas pessoas. Isso faz as pessoas se sentirem ansiosas.
A essa experiência ela chama de Perda ambígua, termo cunhado pela psicóloga Pauline Boss para descrever a impossibilidade do luto. Acontece, por exemplo, quando diante de uma pessoa com Alzheimer, psicologicamente ou emocionalmente ausente. “Porque em vez de sentir conexão com você, eu sinto como se algo simplesmente não estivesse acontecendo.” É quando você está fisicamente presente, mas emocionalmente ausente.
E isso é o que está acontecendo em muitas das interações atualmente, criando um tipo particular de solidão. Não é a solidão de estar sozinho. É a solidão de estar com pessoas ao lado das quais você não deveria estar se sentindo sozinho, mas, na verdade, você está. Isso é I.A. Intimidade Artificial é o conceito usado para as consequências de viver em um mundo sem contato, onde há muito pouco atrito (Esther brinca aqui dizendo que “atrito” é algo que ela leva muito em consideração, como terapeuta sexual).
“Somos o grupo mais hiperconectado da história humana, e o mais solitário”.
É o que inviabiliza a possibilidade de construir experiências mais profundas, caracterizadas por autenticidade e comprometimento intenso, ou Intimidade Feroz, expressão que combina duas ideias aparentemente opostas: a intensidade ou ferocidade (fierce) e a proximidade íntima (intimacy).
A hiperconectividade como escudo
E o problema desta solidão é que ela se camufla como hiperconectividade.
Posso ter 1.000 amigos virtuais, mas ninguém para alimentar meu gato, ninguém para pedir uma receita na farmácia. Mas as 1.000 pessoas que me dão curtidas estão se tornando a base da minha autoestima. E isso é um tipo diferente de solidão. Não se trata do físico. É sobre ser incompreendido, sentir-se rejeitado, ostracizado.”
E relações online são mais cômodas porque requerem muito pouca vulnerabilidade real. Diferente dos relacionamentos presenciais, que demandam muita vulnerabilidade, tensão, fricção.
O celular sempre come primeiro
“Vivemos em experiências cujo valor só virá quando postamos.”
É muito irônico que as coisas que se tornam virais online são normalmente os momentos íntimos de conexão que estamos perdendo.
Os exemplos estão no momentos mais simples, como quando você assiste a um vídeo de cachorro ou gato por 10 minutos, enquanto não tem ideia de onde está o seu próprio cachorro ou gato em casa. E quando você os encontra, é só para que eles façam algo engraçado para que você possa postar online, e ver quantas pessoas gostam de você através de likes e comentários. Brené brinca com aquela típica situação em restaurantes, quando “o celular come primeiro”, em que a fome do post tem sempre prioridade.
Um escudo social?
Nesse sentido, o celular se torna um escudo da vulnerabilidade.
Não apenas em um nível pessoal, mas também em um nível social, por permitir se esconder das experiências reais. Ficar sozinho em um meio social ficou mais difícil pela falta de repertório de se colocar em uma situação de vulnerabilidade. Estar sozinho em uma simples fila, por exemplo, ficou menos suportável sem a muleta do celular, e perdemos as oportunidades de conexão social. Atrofiamos essa capacidade.
Ao ficar em uma fila, você se expõe à possibilidade de conhecer pessoas que de outra forma não conheceria e começa a conversar com elas. É a tal conversa fiada que nos permite desenvolver habilidades sociais. É onde ocorre o acaso, a serendipidade, a espontaneidade e a improvisação. Esses aspectos da vida que realmente iluminam, que fornecem energia, que despertam a curiosidade, que fazem você querer se aproximar dos outros, que fazem você querer conhecer aqueles que não conhece. Isso acontece a todo momento aqui no SXSW.
Ontem, estava em uma fila esperando a sala abrir, até descobrir que ela já estava lotada. Um pouco mais à frente estava a outra sala que tinha planejado ir na sessão seguinte, que também seria bastante disputada. Para garantir entrar, fui para aquela fila menor, sem saber nada sobre a sessão que estava prestes a começar ali.
Foi então quando comecei uma conversa com a última pessoa da fila, o Kevan, que era um dos colaboradores do SXSW e estava realmente interessado naquela palestra da qual eu não sabia nada, e que seria apenas um pedágio para a seguinte. Após uns minutos de papo, percebemos que a fila não andava porque as pessoas ali na fila estavam já esperando a seguinte sessão. Seria o meu caso também, mas me permiti entrar no fluxo, sair do planejado e me abrir a surpresas. Éramos só umas 6 pessoas na sala. Meio intimidante porque eu nem mesmo sabia sobre o que iam falar. Aquelas 6 pessoas estavam ali conectadas na intimidade de um assunto tão particular e pessoal quanto delicado: os desafios, barreiras e superações das pessoas intersexuais (que possuem características sexuais não binárias, como genitais ambíguos). Aquela conversa fiada na fila me levou a um lugar inesperado, permitindo me conectar intimamente com aquelas pessoas e suas dores. Virei amiga do Kevan no LinkedIn e recebi dele uma das mensagens mais carinhosas, resultado daquela conexão íntima que fizemos. Abrir-se ao acaso pode parecer uma obviedade, mas essa mágica que eu senti nessa experiência simples não deixa de ser um reflexo, ou alerta, sobre a novidade que é sair dessa intimidade artificial que estamos tão acostumados no nosso dia a dia para abraçar a intimidade natural.
Ao buscarmos refúgio na tecnologia nos tornamos cada vez mais atrofiados.
Mas a tecnologia é um meio que promove a desconexão e também permite a conexão, quando famílias ao redor do mundo possam estar em contato.
Então é essa conexão e desconexão. É ambos ao mesmo tempo.
Uma das coisas que nos fazem não se sentir solitários é quando percebemos que alguém se importa profundamente com quem somos e com o que fazemos, e isso significa foco, atenção, escuta profunda. Mas a escuta não é apenas o que acontece com a pessoa que ouve. A escuta molda o que a pessoa vai dizer. O ouvinte cria o orador, a abertura, a profundidade, porque modela o que você fala.
A falta de um senso de comunidade trouxe com ela o individualismo, a capacidade e a liberdade de pensarmos por nós mesmos. Mas, a carga que isso nos traz é que agora temos que pensar sozinhos em questões muito complexas. Nós, como indivíduos, agora temos que encontrar as grandes respostas por nós mesmos, para a questão do sofrimento e para questões muito complexas. E isso coloca um fardo, carregado de uma grande quantidade de dúvida e incerteza. Mas, ao mesmo tempo, não queremos abrir mão dessa liberdade, e ficamos cada vez mais ansiosos e cada vez mais isolados. E um dos resultados disso é que estamos nos tornando mais abertos a outras histórias que não se encaixam nas grandes narrativas, mas que geram algum conforto cognitivo para nos acompanhar na solidão da nossa individualidade solitária.
A qualidade dos nossos relacionamentos determina a qualidade da nossa vida real.
E a resposta para elevar esta qualidade está em resgatar outro termo comentado na conversa, cunhado por Emile Durkheim, que fala sobre a efervescência coletiva.
Ela acontece quando as pessoas se reúnem em comunidades, frequentemente em lugares como igreja, ou em meio a shows de música, onde as pessoas deixam de lado o aspecto ou emoção individual para se juntarem à emoção coletiva. Por outro lado, no painel sobre saúde mental com a Mandy Teefey, produtora de filme e cofundadora e CEO da Wondermind (junto com sua filha, Selena Gomez), explicou o seu próprio processo, sobre como lidar com a própria solidão: “Sinto que, com a epidemia da solidão, deveria ser uma oportunidade para realmente tirarmos um tempo para explorar individualmente e internamente o que sentimos. Mas, em vez disso, há tanto barulho em todos os lugares que nos mantém preocupados e provavelmente não temos a menor ideia do que realmente gostamos. Largue o celular, desligue a TV e sente-se nessa solidão. Você provavelmente durará alguns minutos antes de começar a se contorcer. Você precisa se ouvir, entender o que está sentindo. E há muitas oportunidades para você se tornar a sua melhor versão e encontrar a felicidade. Você não se sentirá solitário quando estiver sozinho, porque tem um relacionamento consigo mesmo que realmente entende, sem a interferência de outras pessoas.