O pai era comerciante e a mãe, secretária. A irmã é doutora em física, e o irmão, músico. “Minha mãe casou e parou de trabalhar. 25 anos depois, ela voltou para a mesma empresa de quando era solteira, como gerente de Recursos Humanos.” Essa história curtinha diz muito sobre Tania Cosentino, CEO e toda poderosa da Microsoft no Brasil. Assim como a mãe, Tania tem portas abertas nas empresas por onde passou, como Siemens e Schneider Electric. É uma mulher que constrói pontes, é aliada da diversidade e amiga do bom planejamento. Formada em engenharia, ela trabalhou por 8 anos na Siemens e outros 19 na Schneider Electric, de onde saiu como presidente da América Latina.
Aliás, foi de lá que a Microsoft a catapultou para o cargo de CEO da filial brasileira. Foram 2 anos de namoro até ela dizer o sim definitivo para a companhia norte-americana. Tania não tinha pressa e achou que era melhor irem se conhecendo, como toda fase de namoro. Um pouco dessa história a Inteligência Financeira conta no artigo Uma executiva de mais de US$ 3 trilhões.
Acima, você acompanha a entrevista que Tania concedeu ao podcast Visão de Líder. E, abaixo, você pode ler os principais trechos dessa conversa. Em ambos os casos, você vai conhecer uma Tania que pouca gente conhece.
O despertar para a engenharia
Eu sempre gostei de estudar e eu gostava de todas as matérias, mas eu ia muito bem em matemática e ciências. Passei a participar de Olimpíadas de Matemática quando eu estava no primeiro grau e estava em um escola pública. E aí veio uma grande dúvida quando chegou meu momento de ir pro segundo grau e o estudo público, infelizmente, caía de qualidade ano após ano.
Foi então que eu comecei a pedir orientação para meus professores. Meus professores recomendaram que eu entrasse na Escola Técnica Federal de São Paulo. Hoje, chamamos de Instituto Federal de Educação e Educação Técnica e Estudo Técnico e Tecnológico.
E aí foi curioso, porque quando eu descobri a escola e vi as profissões que ela abordava, eu descobri o processamento de dados, que eu achava que tinha mais a ver com uma mulher que fosse estudar engenharia. E, quando eu fui prestar vestibular, 80% eram homens.
Foi por isso que escolhi processamento de dados: era o único curso onde a turma que era 50% de mulheres. Mas aí eu entrei na escola no primeiro ano. Era um curso básico, como para alinhamento, trazer conceitos que a gente poderia não ter tido no ensino fundamental e você só escolhia naquela época, você já escolhia a carreira, trilha profissionalizante. No segundo ano, eu achei a eletrotécnica muito mais divertida que o processamento de dados. Então, mudei de curso.
O começo da carreira de Tania Cosentino
Eu consegui estágio em uma multinacional alemã e comecei a trabalhar com projetos de casa. Quanto mais eu conhecia, mais me apaixonava. E aí eu decidi ir para engenharia. Então, eu fui por motivação dos meus professores, afinidade com a área de exatas e muita paixão pela área técnica. Desde muito jovenzinha eu estou feliz porque eu sempre fiz o que eu gosto.
E, quando você consegue conciliar prazer, paixão pelo que você faz, desenvolvimento pessoal é o melhor dos mundos e eu sou muito grata por essa carreira.
Tania Cosentino conta como foi a primeira vez em que foi líder
Na Schneider fui líder pela primeira vez. Era uma posição importante, em uma área que eles estavam investindo para promover a carreira da mulher, o que não era uma verdade em todo o setor de automação e de setor elétrico. Então, eu pensei “Aqui eu consigo conciliar várias coisas importantes, vou aprender, é uma cultura diferente em uma empresa francesa, e ainda vou liderar pessoas mais seniores”. Meu chefe, que é um amigo querido até hoje, sempre me apoiou. E, para ele, não fazia a menor diferença ser homem ou mulher. Ele queria um profissional competente, apaixonado e parceiro nas batalhas.
E foi curioso. Todos olhavam para mim e não era só o fato de eu ser mulher, era o fato de eu ser mulher do ramo de automação. E aí a classificação técnica não era automação. Eram áreas onde eu não tinha tanto conhecimento técnico profundo, mas tudo se conectava.
Eles não entendiam a conexão. E eu era muito jovem. Então, eu era uma mulher jovem, que conhecia o que eles não conheciam. E esse foi meu grande desafio.
O grande desafio de uma líder
A gente tem sempre equipes diversas e eu sempre busquei trabalhar com equipes diversas. E a grande questão do líder é como eu desenvolvo pessoas que estão em volta de mim e cada pessoa tem uma necessidade, tem o seu momento. E aí você tem que olhar para essas pessoas de uma forma personalizada e como que eu apoio cada um, cada pessoa do meu grupo e eu tive que trabalhar isso para que as pessoas reconhecessem o meu valor.
O líder é aquele que inspira, que serve. Eu sempre acreditei nesse modelo, porque o papel do líder é facilitar o trabalho dos outros, é desenvolver os outros. Não é fazer o trabalho dos outros.
E nesse mundo então volátil que a gente vive hoje, com tantas incertezas, com tantas novas tecnologias, é muito difícil você falar “Vamos para aquele lado”. Mas a gente tem que construir o caminho, tem que explicar a razão pela qual a gente tem que mudar.
As empresas e os ciclos das mudanças
Então, a gente tem que fazer ciclos de mudança dentro da empresa, das empresas e em ciclos cada vez menores. Tal mudança é uma certeza e ela ocorre em ciclos cada vez menores. Se as pessoas não confiarem em você como líder, você vai falhar e aquele grupo vai falhar. Então, é preciso ter transparência e consistência, mostrar a vulnerabilidade. No passado, vulnerabilidade era considerada uma fraqueza, hoje ela é uma habilidade de um líder que inspira. E eu acho que esse fato da minha proximidade com as pessoas, de ter as portas abertas, trouxe muita união.
O ponto forte de um líder
É fundamental ter uma boa comunicação, com clareza e ser objetivo. Eu trabalho em uma empresa americana e os americanos são muito diretos. Você perde a atenção do seu interlocutor, do seu cliente, do seu chefe, do seu colaborador. Se você não está concentrado, você começa a dar voltas. Então, é importantíssimo a gente praticar a boa comunicação. E essa é uma área que eu tento me fiscalizar. Se eu tenho uma apresentação, um painel ou um evento, eu treino, eu estudo, pois eu não posso perder isso, porque senão a gente começa a dar voltas.
Como Tania Cosentino recebeu o convite da Microsoft
Eu recebi uma mensagem via Linkedin de uma executiva de recrutamento da Microsoft. Queria falar comigo e eu estava muito feliz na Schneider. “Podemos conversar?” – ela perguntou. “Podemos, mas eu não tenho interesse em sair da área.” Mesmo assim, a gente começou a conversar e a trocar ideias. Já estava trabalhando o tema de transformação digital, que estava levando as informações da fábrica para o ambiente corporativo novo. Ela me falou: “Você é interessante, fala de sustentabilidade, de diversidade, inclusão.” E a conversa durou 2 anos, até que aceitei o convite.
Transformação digital, segundo Tania Cosentino
A verdadeira transformação digital é quando você conecta a operação com o corporativo, é sair do chão de fábrica e falar com a TI, porque quem vai habilitar, vai levar os dados para a nuvem e vai transformar esses dados através de TI é a TI. Tudo o que sair da área de engenharia ou da área de manutenção vai ter que falar com tecnologia. A Microsoft tem que sair da sala para falar com o negócio. E hoje ela leva soluções para RH, para sustentabilidade, para supply chain, para vendas, para o marketing, para diferentes áreas da organização.
É uma zona de desconforto contínua, porque eu estou sempre entrando numa sala nova para criar soluções para empoderar o negócio como um todo. E esse é o movimento contínuo de sair da zona de conforto. Aprende uma coisa nova e formata uma solução. Mas, no mundo corporativo de pequenas, médias e grandes empresas, temos interlocutores diferentes, com soluções de negócios diferentes.
“Nosso desafio número 1 é crescer mais rápido”
A gente aprende demais, porque a gente erra, toma risco e os resultados às vezes não vêm como esperamos, nem no ritmo esperado. Eu vim para a Microsoft para acelerar o crescimento da empresa no Brasil. Esse é nosso desafio número 1: crescer mais rápido. E, quanto mais você cresce, mais difícil fica encontrar espaços para continuar o ritmo de crescimento. E, no fundo, o que eu quero é ser referência.
O papel da inteligência artificial
Eu posso trazer mais competitividade para a indústria brasileira, integrando cadeias de suprimento. Reduzir custos para o varejo, integrando cadeia de suprimentos. Aliás, qualquer centavo para o varejo na rentabilidade é muito bem-vindo. Então, quando você olha para essas frentes, eu vou colocar inteligência artificial para otimizar processos, e reduzir os custos. E sobra mais dinheiro lá na última linha da conta daquela empresa.
Então, é isso que a gente vê a inteligência artificial fazendo: ela vai trazer ganho de produtividade importante, aumentando a competitividade e a receita.
E acho que a gente foi muito feliz de ter criado o conceito do co-piloto. O co-piloto vai aumentar minha produtividade, vai permitir que eu não fique construindo uma planilha Excel, mas que eu converse com os meus dados. Então a minha planilha Excel vira minha interface em linguagem natural. Então, as pessoas vão conversar o call center em linguagem natural, e eu vou ter um índice de respostas de alta qualidade, maior do que eu tenho hoje.
Tania Consetino, uma investidora moderada
Eu sempre achei que eu era uma investidora moderada, porque eu coloco boa parte do meu salário em renda fixa. Mas eu estou muito alavancada. Eu tenho muitas ações, porque isso faz parte do seu potencial executivo. Eu tenho um grande volume de ações por causa das empresas onde eu trabalhei. E não consigo ter o desapego de vendê-las. E eu acho que por enquanto elas estão dando resultados, por isso eu acompanho de perto qualquer suspiro, para entender o que está acontecendo. E converso com analistas de mercado para pegar perspectivas diferentes do que está acontecendo.
Já meu marido investe diferente de mim. Ele investe mais em fundos de ações, não em ações específicas. Até porque a gente não pode colocar todas as fichas num lugar só. E, assim, a gente diversifica um pouco. Ele tem o plano dele de investimentos, eu tenho o meu.
“Empoderamento feminino não existe sem autonomia financeira”
O que eu acho que falta no Brasil é educação financeira. Eu fiz uma parceria com cliente muito bacana de educação financeira para mulheres. Não existe empoderamento feminino sem autonomia financeira. Eu acredito muito numa educação financeira básica, porque a gente vê essa dificuldade entre as mulheres. Eu vejo muitas mulheres no mercado de trabalho com dificuldade de fazer planejamento financeiro.
O que é ter inteligência financeira?
É ter um senso de finitude. Se você não fizer o planejamento da sua vida e for viver apenas de uma aposentadoria, você vai ter uma deterioração na qualidade de vida. Eu acho que isso é mais importante para um jovem, porque no meu tempo você entrava numa empresa para ficar para sempre lá. Os jovens não querem mais uma carreira para sempre. Eles pensam em ciclos curtos e em múltiplos empregos. Então, mais do que nunca, a renda desse grupo ela é incerta.
E é por isso que você precisa criar o seu planejamento financeiro, a sua educação financeira.
E eu acho que todo mundo precisa ter essa conversa o mais cedo possível, porque quanto mais cedo você começar a se preparar.
E veja: eu vou fazer 59 anos e não estou pensando me aposentar tão cedo. Eu quero continuar ativa no mercado de trabalho. Mas e aí? Não é só pelo dinheiro, é pela satisfação, pela capacidade de aprender. O que eu preciso para construir esse caminho? Construir o patrimônio ao longo da jornada é importante.
Portanto, o ideal é começar pelo básico, saber o que é educação financeira, fazer um planejamento, falar com o advisor da instituição financeira com o qual você lida.