Um dos símbolos da exuberância de capital em venture capital nos anos de 2020 e 2021, quando as startups captavam com facilidade, a Facily está perto de fechar as portas.
A Pipo Capital, gestora com fundos que alocam em gestoras de venture capital, distribuiu um comunicado aos seus investidores informando sobre a delicada situação da Facily, que captou mais de US$ 500 milhões e foi avaliada em US$ 1,1 bilhão, o que fez dela um unicórnio, como são chamadas as startups bilionários.
O documento que o NeoFeed teve acesso informa que a Facily fez uma nova captação de US$ 1,8 milhão (cerca de R$ 9,4 milhões) com mais de 30 investidores de sua base. “Para manter o negócio funcionando, a Facilly acaba de concluir mais uma rodada de financiamento”, escreveu a Pipo Capital.
Em outro trecho do relatório, a Pipo Capital afirma que “como antecipamos anteriormente em outras atualizações, a Facily alcançou o seu ponto sem volta em 23 de dezembro. Desde então, surgiram discussões sobre a descontinuidade da empresa”.
Em razão desse ponto, a Pipo explica aos investidores que a Facily necessitava de US$ 4,2 milhões (R$ 22 milhões) para encerrar suas atividades e pagar todas as possíveis despesas legais, dos custos das demissões até os cancelamentos dos contratos de aluguel.
“Esse é o valor contingenciado, que está no caixa da companhia”, explica Francco Marchetti, cofundador da Pipo, sobre o montante reservado caso tudo dê errado, em conversa com o NeoFeed.
No ano passado, o NeoFeed havia apurado que a queima de caixa da Facily havia sido reduzida de US$ 30 milhões por mês para algo em torno de US$ 2,5 milhões mensais. Passados 12 meses, o cash burn continua.
“A Facily continua queimando caixa, mas muito menos do que no ano passado”, disse Marchetti, sem precisar o montante que a empresa gasta de capital para a operação continuar rodando.
A Facily opera como um marketplace de itens alimentícios, cosméticos e eletrônicos. Para ganhar dinheiro, a companhia cobra uma comissão de 15% do valor recebido por cada venda.
O NeoFeed revelou, em maio do ano passado, a decisão da Monashees de realizar a baixa contábil no investimento que realizou na Facily. Em um relatório enviado para investidores naquela oportunidade, a gestora de venture capital informou que o “gross multiple” do investimento que fez na Facily era zero.
A Monashees, que começou a investir na Facily em seu estágio inicial e seguiu outros aportes até a série B, revelava que não tinha mais esperança de recuperar o dinheiro investido na startup.
“A Facily está sucumbindo em razão do mau uso do dinheiro e pela total falta de governança corporativa”, diz um gestor de um fundo de venture capital que pediu para não ser identificado.
Fundada em 2018 por Diego Dzodan, Vitor Zaninotto e Luciano Freitas, a startup atraiu investidores globais como Tiger Global, Prosus, Founders Fund, Quona Capital, Alter Global e Luxor Capital. Canary e Bossanova Investimentos também fazem parte da sua base de acionistas.
A Pipo Capital captou com investidores brasileiros em uma das dez rodadas e tem uma participação minoritária. O mercado especula que a gestora atraiu sócios do BTG Pactual (a Pipo não confirma essa informação).
Marchetti diz que a gestora tem uma visão neutra, com um cenário base, um positivo e outro negativo para o investimento e “os três estão vivos”.
No relatório, a Pipo Capital coloca que o “nosso retorno esperado é o seguinte: 0,07x a 0,42x MOIC para a alocação combinada e de 6,26x a 45,88x MOIC para a série E”.
O MOIC, a abreviação em português para múltiplo de capital investido, é o indicador que mede o sucesso de um investimento. Qualquer valor abaixo de 1 indica que o retorno é menor do que o valor investido. No caso da Facily, é como se um aporte de R$ 100 mil fosse reduzido de R$ 7 mil a R$ 42 mil no cenário de alocação combinada.
A gestora, porém, indica que existe a possibilidade de valorização da empresa de social commerce em uma potencial aquisição por um player estratégico. “Seria algo em torno de R$ 10 milhões a R$ 50 milhões”.
“Eles estão rodando a empresa para vender. E, de fato, existem ativos potenciais”, diz o gestor do fundo de VC.
Um longo turnaround
Os problemas da Facily não são recentes. No início de 2022, logo após concluir a rodada série D e captar US$ 135 milhões com Rise Capital, Emerging Variant e Tru Arrow, a empresa de social commerce deu início a uma longa e profunda reestruturação.
Em seis meses, o dinheiro captado para reforçar a operação logística entrou para a queima de caixa. Naquele momento, cerca de 30% da base de 860 funcionários foi demitida.
Naquele mesmo ano, a Facily entraria para a lista de recordista de reclamações no Procon-SP. A empresa recebeu quase 26 mil queixas em 2022 e saltou do 17º lugar para o topo da lista em 12 meses.
No ano de 2023, a empresa estava em reestruturação e Dzodan, em entrevista ao NeoFeed, admitiu que a startup esteve perto de fechar.
“Quando você projeta um crescimento baseado em acesso a capital e isso não acontece, você gasta mais dinheiro do que tem”, disse o cofundador há 12 meses. “Se a Facily não tivesse ajustado as despesas, dinheiro em caixa não teria sido o suficiente.”
Dzodan afirmou que a startup planejava atingir o breakeven em 2023, algo que nas palavras da Pipo não aconteceu.
Procurada, a Facily não retornou o pedido de entrevista até o fechamento desta reportagem.