Um ano após a tragédia que matou todos os cinco passageiros do submersível Titan em 18 de junho de 2023 — o minissubmarino da empresa OceanGate que pretendia alcançar os destroços do lendário Titanic a quase 4 mil metros de profundidade no Atlântico Norte — quase nada mudou. Uma investigação aberta pela Guarda Costeira dos Estados Unidos em parceria com outras autoridades do país e do Canadá ainda não foi concluída — e tudo indica que levará mais alguns anos para determinar as causas do acidente. Apesar disso, o mercado de viagens submarinas tripuladas continua aquecido, graças ao ímpeto de alguns super-ricos dispostos a pagar por experiências únicas no fundo do mar. Um levantamento de uma consultoria americana publicado em maio mostra que o setor movimentou mais de US$ 370 milhões em 2021, e a estimativa é de que supere US$ 2,6 bilhões até 2032.
— Você pode imaginar que um acidente como esse assustaria as pessoas, mas a verdade é que, no dia seguinte à implosão, outros submersíveis de passeio operavam normalmente nas Bahamas, no Caribe, na Costa da Austrália. Nada mudou — disse ao GLOBO Salvatore Mercogliano, professor de História na Academia da Marinha Mercante dos Estados Unidos e na Universidade Campbell. — O Titan foi um exemplo isolado. O histórico desse mercado é incrivelmente seguro, e a expectativa é de crescimento.
Um submersível pra chamar de seu
Ter um submersível, porém, não é para poucos. Somente iates suficientemente grandes — de pelo menos 36,5 metros — podem comportar um minissubmarino, que geralmente custa entre US$ 2 milhões e US$ 7 milhões, sem incluir o custo de um guindaste para baixá-lo no mar, a lancha necessária para embarque e serviços como elaboração de mapas e guias de navegação, que podem custar cerca de US$ 15 mil por dia. Apesar disso, hoje é possível encontrar minissubmarinos em navios de cruzeiro, bem como em iates particulares e até mesmo hotéis — uma embarcação para 24 pessoas com capacidade de descida de 100 metros foi recentemente enviada para um resort costeiro no Vietnã.
Durante décadas, a tendência entre os muito ricos era ter um helicóptero e uma plataforma de decolagem em um iate, lembra Charles Kohnen, cofundador da fabricante de submersíveis SEAmagine Hydrospace, em entrevista ao New York Times. Mas, nos últimos anos, ter um submersível personalizável se tornou cada vez mais uma opção para esse público seleto, diz ele. Hoje, estima-se que haja entre 161 e 200 submersíveis tripulados ativos no mundo, dos quais 10 podem mergulhar a 4 mil metros ou mais, segundo a Sociedade de Tecnologia Marinha, com sede em Washington, nos Estados Unidos.
Os principais fabricantes de submersíveis surgiram na década de 1990 e no início dos anos 2000 — antes disso, as poucas unidades que existiam estavam basicamente em poder das Forças Armadas ou de instituições científicas. Impulsionado por milionários e bilionários, esse mercado não demorou a crescer, mostrando seus primeiros resultados expressivos já na virada do milênio: por volta de 2005, a pioneira SEAmagine recebeu sua primeira encomenda de submersível para iate; a U-Boat Worx iniciou suas operações na Holanda, e a Triton Submarines veio logo em seguida. A OceanGate nasceria em 2009.
Não há dados contínuos sobre o mercado, mas um relatório recente da Verified Market Research fala em um faturamento de US$ 373,7 milhões em 2021, com projeções para ultrapassar US$ 2,678 bilhões até 2032. Não à toa, a implosão do Titan, em junho do ano passado, causou temor entre os empresários de que houvesse uma paralisação total da indústria de submarinos particulares e do mercado de turismo submerso. Mas o que os depoimentos revelam até agora não é bem isso.
Dois meses após a implosão do Titan, o fundador da empresa de expedições submarinas SubMerge, Ofer Ketter, disse ao New York Times que sua companhia não havia registrado nenhum cancelamento desde o acidente. O mesmo ocorreu com a U-Boat Worx, que teve suas encomendas mantidas, embora a empresa tenha notado um arrefecimento da demanda por novas unidades, o que levou à demissão de 40 de seus 85 funcionários ao longo do último ano, segundo seu diretor comercial, Erik Hasselman.
Já a Triton, que até agosto não havia recebido nenhum pedido de cancelamento e disse estar experimentando uma “demanda notável” de proprietários privados e empresas de turismo, afirmou no mês passado ter sofrido apenas uma descontinuidade entre os 15 projetos contratados antes do acidente com o Titan. No entanto, a lacuna na agenda da empresa foi rapidamente preenchida em poucos dias.Connor não é uma voz isolada. Desde que ocorreu o acidente, a grande maioria dos empresários do mercado de submersíveis tripulados, assim como seus principais clientes, têm feito questão de reforçar o caráter “experimental” do Titan, para diferenciá-lo das embarcações utilizadas nas milhares de viagens certificadas que ocorreram nos últimos anos — inclusive, para profundidades superiores à que se encontra o Titanic.
‘Experiência completa’
Larry Connor, um investidor imobiliário de Ohio que já esteve na Fossa das Marianas (o ponto mais profundo dos oceanos) e na Estação Espacial Internacional (localizada a 400 km da Terra), ligou para Patrick Lahey, CEO da Triton, e fez uma proposta: construir um submarino com capacidade para mergulhar até os destroços do Titanic “repetidamente e com segurança para demonstrar ao mundo” que eles são capazes de fazer isso, “e que o Titan era uma engenhoca”. A viagem ainda não tem data, mas os dois planejam ir juntos. O projeto já ganhou até nome: Triton 4000/2 Abyssal Explorer, avaliado em US$ 20 milhões.
“Quero mostrar às pessoas do mundo todo que, embora o oceano seja extremamente poderoso, ele pode ser maravilhoso e agradável e realmente mudar sua vida se você o fizer da maneira correta”, disse Connor por telefone ao Wall Street Journal.
Connor não é uma voz isolada. Desde que ocorreu o acidente, a grande maioria dos empresários do mercado de submersíveis tripulados, assim como seus principais clientes, têm feito questão de reforçar o caráter “experimental” do Titan, para diferenciá-lo das embarcações utilizadas nas milhares de viagens certificadas que ocorreram nos últimos anos — inclusive, para profundidades superiores à que se encontra o Titanic.
— O que acontece com o mercado de submersíveis hoje é o mesmo que com o de viagens espaciais — compara Mercogliano. — As pessoas não querem apenas o visual, elas querem a experiência completa: sentir o balanço do submarino esperando para submergir, o frio na barriga ao começar a descer e o suspense da temperatura caindo à medida que mergulham cada vez mais fundo. Elas querem uma selfie no fundo do mar.