O Governo Federal resolveu zerar o imposto de importação sobre alguns itens alimentícios para tentar conter a inflação no Brasil. A medida foi anunciada na noite desta quinta-feira (6/3), após uma reunião entre ministros e empresários do setor em Brasília, no Distrito Federal. Entre os alimentos afetados estão carne, café, açúcar, milho, azeite de oliva, óleo de girassol, sardinha, biscoitos e massas.
A medida visa aumentar a oferta dos produtos no mercado brasileiro e forçar a redução dos preços dos alimentos. Em 2024, a inflação registrou aumento de 4,83%, puxada principalmente pelo grupo Alimentação e Bebidas, com o acumulado de 7,69%. A refeição fora do domicílio também exerceu impacto, com alta de 5,70% em 12 meses. Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em janeiro deste ano.
Embora a iniciativa tenha sido anunciada, a decisão de zerar as tarifas ainda precisa ser avaliada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) antes de entrar em vigor. Durante o anúncio, o vice-presidente da República e Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, afirmou que a medida deve ser implementada nos próximos dias.
Confira quais produtos terão impostos de importação zerados com a adoção da medida:
- Óleo de girassol (alíquota atual é de 9%)
- Azeite de oliva (alíquota atual é de 9%)
- Sardinha (alíquota atual é de 32%)
- Biscoitos (alíquota atual é de 16%)
- Café (alíquota atual é de 19%)
- Carnes (alíquota atual é de 10,8%)
- Açúcar (alíquota atual é de 14%)
- Milho (alíquota atual 7,2%)
- Massas e macarrão (alíquota atual é de 14,4%)
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) diz estar otimista e que apoia a redução de impostos de importação de alimentos. O presidente João Galassi e o vice-presidente Márcio Milan participaram da reunião do governo para discutir a medida. A entidade destaca que a iniciativa “pode contribuir para diminuir os preços aos consumidores e aliviar o custo de vida, especialmente das famílias de baixa renda”.
Para bares e restaurantes, no entanto, os benefícios ainda são incertos, de acordo com especialistas consultados por PEGN. Entre os principais riscos apontados está o de que o desconto se perca na cadeia de importação e não chegue até o consumidor final.
Para o presidente executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, a medida não deve gerar impactos significativos para os estabelecimentos. Ele afirma que a redução do imposto de importação dos alimentos não resolverá a alta da inflação no curto prazo e ainda diz que a entidade não foi chamada para a reunião realizada pelo Governo Federal.
“O governo não nos chamou para conversar. E talvez não saiba, ou pelo menos não se atentou, que 33% de tudo que o brasileiro gasta com alimentação é fora de casa. Tínhamos o que dizer e o que propor. Aí quando você olha a medida, eu pessoalmente acho que ela vai ter impacto baixíssimo, quase que nulo”, reitera.
Cautela
Segundo o economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-BA), Edval Landulfo, a nova decisão econômica de reduzir impostos para baratear o custo dos alimentos pode ser bem-vinda para diversos segmentos da cadeia produtiva. Contudo, ele aponta a necessidade de cautela para acompanhar os resultados e impactos que podem ser gerados pela adoção desse tipo de medida.
“A maioria desses produtos, que terão zerados as tarifas de importação, nós já produzimos no mercado interno. Então, temos um dos maiores exportadores de carne. Mesmo com a diminuição, não é provado que [com a importação] teremos uma carne mais barata do que é produzida no nosso país. A mesma coisa acontece com o café, o açúcar, vai ter uma diferença no azeite de oliva, por exemplo, porque nós só produzimos 1% do que consumimos no mercado”, explica.
No caso do azeite, o economista acredita que o item poderá sofrer uma pequena melhora na oferta, assim como o óleo de girassol – que também é alvo da redução de tarifas. Os produtos costumam ser usados no preparo de várias refeições em bares e restaurantes.
“O impacto pode ser bem interessante com o passar das próximas semanas e a expectativa no segundo semestre é que tenhamos uma oferta de produtos melhores com a nova faixa do que tivemos no ano passado.”
Reflexo nos preços é incerto
Com a adoção da medida, a economista e professora Carla Beni, que é conselheira do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), explica que o Brasil deixa de arrecadar os impostos de importação desses produtos na expectativa de que o custo final fique menor para o consumidor. Por outro lado, ela aponta que esse benefício pode ser perdido no meio da cadeia.
“Vamos imaginar que o importador paga a nota fiscal do azeite que ele importou da Itália. Ele paga o valor da nota do produto e paga o adicional dos impostos. Agora esse valor diminui. Ele pode incorporar isso para a conta dele e aumentar a lucratividade e não repassar para o distribuidor”, diz ela, acrescentando que o cenário ainda pode ser impactado por alterações na taxa de câmbio.
A professora da Faculdade de Direito do Rio da Fundação Getúlio Vargas, Bianca Xavier, que é doutora em Direito Tributário, corrobora que a medida de diminuição dos impostos de importação pode reduzir o custo para os estabelecimentos, mas não significa que será refletido no valor final para o cliente.
“Quando tem uma redução de tributos, o objetivo do governo, sem dúvida alguma, é reduzir o preço da mercadoria. Mas isso é uma decisão do comerciante, de quem está vendendo o produto. Então, não existe nenhuma obrigação legal de ter que baixar o preço do produto ou do serviço porque houve uma redução de carga tributária”, diz.
Xavier afirma que os bares e restaurantes poderão ampliar a capacidade de negociação para tentar comprar os itens por um preço menor. Ainda segundo ela, os empreendedores devem se atentar ao cálculo de outros tributos, como o ICMS e PIS/COFINS. “O imposto de importação entra na base de cálculo do ICMS, por exemplo. Então a redução se reflete no tributo estadual.”

Concorrência e fiscalização
Em relação à concorrência com o produto interno, Beni, do Corecon-SP, reforça que a realidade pode ser diferente para cada estabelecimento, já que a margem de preço pode variar entre eles. “Aquele que tem muita concorrência pode até ter uma redução no seu preço, outros podem não reduzir, se não houver necessidade. Não há nada que garanta que, de verdade, vai ter uma redução de preço na hora que a gente pedir um prato no restaurante.”
Ela ressalta que a medida pode ser válida para pressionar os produtores locais diante da concorrência com o produto importado. Por outro lado, os preços finais devem ser fiscalizados por órgãos e entidades especializadas. A economista ainda lembra que a redução pode não acontecer de forma imediata, considerando os produtos já estocados pelas empresas.
“Se não tiver um controle desses preços finais com verificação, mesmo que do Procon, será um benefício tributário apenas para os importadores”, frisa.
Outras medidas
Além da redução dos impostos de importação dos nove itens alimentícios, Landulfo, do Corecon-BA, chama a atenção para outras medidas que têm sido pleiteadas pelo governo, como a discussão sobre o ICMS — tributo estadual que incide sobre alguns itens da cesta básica — e aceleração do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem, que possibilita a venda de produtos animais, a exemplo das carnes, inspecionados em municípios e estados em todo o país.
“Quando se trata da proteína, qualquer notícia de que há uma perspectiva de nova safra, isenção para importação se houver necessidade, o mercado reage bem. Então, sim, essas medidas são positivas, mas não podemos cravar quais setores da economia serão mais beneficiados”, pondera.
A partir dessa discussão, o economista ainda diz que o cenário depende, por exemplo, da taxa de juros básica, a Selic, que subiu para 13,25% na primeira reunião deste ano do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). “Não acreditamos que ela deva cair nos próximos meses”, acrescenta.
Solmucci, da Abrasel, aponta que o governo deveria buscar soluções de médio e longo prazo para aumentar a competitividade e produtividade no país. Uma das possibilidades mencionadas por ele foi a desoneração da folha de pagamento com o primeiro salário mínimo.
“Isso seria muito mais efetivo, com um custo relativamente baixo e impacto muito grande. Reduzindo o custo com mão de obra no nosso setor, poderíamos diminuir o preço no cardápio ou, pelo menos, não aumentar mais. E também teria um efeito positivo na geração de emprego e renda”, afirma.