A paixão pela fotografia já está no nome de Betina Polaroid, que performa como drag queen há cerca de 10 anos, e hoje é um dos nomes que se destacam na cena LGBTQIAPN+ no Brasil. “Uma drag queen com uma câmera na mão é algo que chama muito atenção porque não é o trabalho convencional. Ao mesmo tempo, montada eu mostro que estou com o olhar de quem é pertencente àquela comunidade”, diz em entrevista a PEGN.
A profissional conseguiu mais visibilidade ao participar da primeira temporada do reality show Drag Race Brasil (versão local do premiado RuPaul’s Drag Race), e hoje se dedica a abrir portas para mais drags. “Uso meu trabalho como fotógrafa para divulgar a arte de artistas queer e outras drags para fortalecer uma rede de colaboração”, diz Betina, que também prioriza contratar serviços de outras drags, por exemplo, para produzirem suas roupas.
Foi justamente a fotografia que a inseriu no meio drag. “Eu estava buscando um projeto pessoal que eu pudesse voltar a desenvolver meu lado artístico. Eu tinha clientes, pagava meus boletos, mas não me sentia tão criativa no ofício“, diz. Ao observar a crescente cena drag no Rio de Janeiro, renovada pelo sucesso de RuPaul’s Drag Race, ela se apaixonou pelo movimento, começou a fotografar as drags e se identificou com as artistas. Não demorou para que decidisse se montar também.
“Assisti a muitos tutoriais na internet para aprender a fazer maquiagem, e também recebi dicas de muitas queens”, diz Betina, acrescentando que foi muito bem acolhida pela comunidade desde o início.
Como fotógrafa drag, chamou a atenção dos produtores do canal do YouTube do coletivo Drag-se, que a convidaram para trabalhar com eles, fotografando eventos e colaborando em outros projetos.
“Uma fotógrafa montada não deixa de ser uma performance e uma atração no evento. Todo mundo quer aparecer naquela foto e posar para a drag que está fotografando”, afirma. Cerca de um ano depois, também se interessou por performar nos palcos — e não parou mais.
Porém, a profissional não conseguia se sustentar apenas com os eventos em que estava montada como drag, e precisou continuar trabalhando como fotografa comercial até 2023, quando estreou no Drag Race Brasil.
“Ali foi a virada na minha vida. Voltei desse reality com toda a visibilidade e projeção midiática, e com muito mais demanda para shows e performances. Então, aperfeiçoei meus movimentos e meu trabalho de corpo. Agora consigo investir em figurinos mais elaborados e tenho mais oportunidades de trabalho, tanto como performer quanto como apresentadora de eventos”, afirma.
Hoje, o objetivo de Betina é abrir as portas para outros profissionais que precisam de destaque. “Podemos pensar em toda a comunidade que está no entorno, como as drags que fazem as roupas e as perucas que são mostradas no palco”, afirma.

Drag com tradição
Silvetty Montilla, uma das maiores referências drag queen do Brasil, sabe bem o que é abrir portas para a comunidade. Aos 57 anos, ela acumula 38 anos de carreira dedicados à arte drag. A artista também é cantora, atriz e apresentadora.
“Inicialmente, eu não imaginei fazer nada disso”, conta Silvetty, que trabalhava como auxiliar de promotoria, concursada pelo Ministério Público. Frequentando casas noturnas em São Paulo, viu algumas drags se apresentando e percebeu que era aquilo que queria fazer.
“Participei de muitos concursos de Miss Gay. Fui me envolvendo e, quando percebi, já estava me apresentando, e sigo até hoje”, diz.
Ela diz que sempre priorizou não ser fixa em uma casa, o que permitiu com que fizesse mais apresentações. “Meu modo de trabalhar e de apresentar era totalmente diferente das outras apresentadoras”, afirma Silvetty, que, aos poucos, foi conquistando mais espaço. “Meu nome foi crescendo na noite, e todas as casas que surgiam, eu trabalhava. Depois comecei a viajar pelo Brasil todo e para a Europa.”
Entretanto, a artista diz que vê mudanças no cenário em relação a quando começou. “Antes tinham muitas casas noturmas. Hoje, para quem está começando, é mais difícil se sustentar apenas com o trabalho na noite. Geralmente é preciso ter uma outra fonte de renda”, diz.
Atualmente, Silvetty continua trabalhando em duas casas em São Paulo. Ela também viaja para fazer shows stand-up e continua se apresentando em outros estados.
Para ela, o segredo do sucesso é agarrar todas as oportunidades com unhas e dentes.
“Continuo trabalhando muito, mesmo com tanto tempo de carreira, porque o público LGBTQIAPN+ é muito exigente. Mas sou super respeitada e quero continuar fazendo isso. Eu viajo, tive oportunidade de fazer TV, cinema, participar de programas de televisão, fazer festas particulares, e ainda sou chamada para muitas dessas coisas”, diz Silvetty.

Considerada um ícone para a comunidade, Silvetty foi responsável por abrir a última edição da Parada LGBT, que aconteceu em 22 de junho em São Paulo. A ocasião marcou o retorno da artista após meses afastada para cuidar da saúde. Em fevereiro, um show beneficente para ajudá-la em seu tratamento lotou a Blue Space, uma das mais tradicionais casas noturnas da capital paulista, atraindo cerca de 500 pessoas, mais a transmissão online.
Foco em projetos autorais
DesiRée Beck, 34 anos, natural de Irecê (BA) e hoje vivendo em Natal (RN), construiu uma rotina intensa. “Hoje não faço só shows. Também apareço em eventos, me monto de três a quatro vezes por semana para gravar vídeos para o canal, fazer publis, ativações de marca e eventos VIP”, afirna.
O trabalho de DesiRée envolve apresentações fixas, participações em festas, produções de conteúdo para redes sociais e performances que vão além do tradicional show de dublagem. Essa multiplicidade de serviços garantiu espaço no mercado e permitiu à artista viver exclusivamente da drag desde 2016.
A trajetória começou em Salvador, depois que DesiRée se mudou do interior para cursar faculdade. Formada em Nutrição e cursando Gastronomia na época, ela se frustrou com a vida acadêmica e se encantou pela arte drag ao assistir RuPaul’s Drag Race, em 2014. Então, começou a se montar.
Logo no primeiro palco, em um concurso drag, teve certeza do caminho que queria seguir. “Desde aquele primeiro dia, em 2015, nunca fiquei mais de 15 dias sem me montar”, diz a artista, que aprendeu a se maquiar assistindo a tutoriais na internet e a outras drag queens se maquiando nos camarins.
Porém, o caminho teve dificuldades. “No início, eu precisava fazer residências fixas, o que não era tão confortável. Durante seis anos, me montei para os shows de quarta-feira a domingo, alguns mais cheios e outros vazios”, diz DesiRée.
Para crescer no meio, ela também apostou em projetos autorais. “Eu sou uma pessoa que vive com os pés fora do chão, sempre quis concursos, shows temáticos, e isso atraía bastante público. Também me permitia ter um espaço só meu, para idealizar, personalizar e fugir das tendências do momento,” diz a profissional. Em 2016 criou o concurso Revelação Marujo, que depois se tornou o TNT Drag.
Durante a pandemia, transferiu boa parte da carreira para o ambiente virtual, transformando eventos presenciais em projetos online. O canal no YouTube se tornou fonte de renda importante, com conteúdos variados e transmissões ao vivo. “Ter meu próprio espaço sempre vai ser a minha prioridade. Quero criar podcasts, programas, trazer de volta outros conteúdos também.”
Agora, DesiRée quer reforçar a relevância do canal e retomar seu concurso autoral, o TNT Drag, que foi interrompido em 2023. “Fiz a promessa de só trazê-lo de volta quando tivesse relevância suficiente para dar visibilidade às meninas participantes.” No mesmo ano, ela ganhou visibilidade ao participar do reality show Caravana das Drags, do Prime Vídeo. Agora, vai participar da segunda temporada do Drag Race Brasil.

Rotina dividida
Para Kika Boom, de 30 anos, a arte drag surgiu como forma de colocar a feminilidade em evidência no palco — a artista, que já trabalhava com música antes de performar como drag, diz que não conseguia se expressar apenas com roupas do “código masculino”. “Eu sentia que eu queria ser essa persona mais queer no palco”, afirma Kika, que começou a performar como drag em 2015.
Hoje, a rotina da profissional se equilibra entre a carreira artística e o trabalho na publicidade, área que ajuda a viabilizar os próprios projetos.
“Tudo o que a Kika rende é da Kika e tudo o que o Rafael [nome da artista] rende é do Rafael para se sustentar. Porém, às vezes esse Rafael precisa abrir mão de uma certa porcentagem para conseguir investir na Kika, que é investir no meu sonho”, explica.
A trajetória musical já vinha sendo construída desde 2012, quando postava covers e composições caseiras. “Comecei disparando meu SoundCloud para vários produtores da época”, diz Kika, que passou a trabalhar em composições de artistas como Pabllo Vittar, Urias, Mateus Carrilho e Luiza Possi.
Segundo ela, muitos shows no início não geraram nenhum cachê, mas eram vistos como investimento para se apresentar a um novo público e conquistar oportunidades futuras. Em alguns casos, ela recebia apenas R$ 200.
“Não vi outro caminho’. Se eu fosse só um homem gay com um negócio visto como ‘normal’ pela sociedade, talvez estivesse ganhando mais dinheiro, mas na época não vi outra maneira de começar”, diz.
“Ser empresário no Brasil já é difícil, e ainda mais quando se é LGBTQIAPN+ oferecendo um serviço que muita gente considera um ‘desserviço’.”
Há cinco anos, mudou-se de Goiânia para São Paulo justamente para potencializar oportunidades. “Quando comecei a crescer, recebi convites de eventos que não pagavam cachê, mas traziam networking, conversas com produtores, trocas com outras drags e artistas visuais. Não conseguia vir antes porque era caro pegar um avião de Goiânia”, diz.
“São Paulo exige muito, então quem vem para cá precisa trabalhar em dobro. Hoje, aceito propostas publicitárias que façam sentido financeiro ou ofereçam boas oportunidades. Não me arrisco se o investimento superar o retorno, mas abraço tudo que posso.”
Apesar de todos os desafios, o objetivo de Kika segue firme: viver exclusivamente da arte drag e da música. “Ainda não consegui isso, mas eu acredito no processo que estou trabalhando para que isso aconteça.”
