Com a baixa dos níveis de água no Rio Grande do Sul, novos desafios começam a surgir. Ao retornar para a casa ou empresa, é importante ter em mente que nem tudo precisa descartado, mas algumas medidas de segurança e higiene devem ser seguidas para garantir uma recuperação adequada.
Segundo infectologistas ouvidos por PEGN, mais do que apenas secar o ambiente e os objetos, é necessário adotar cuidados específicos de limpeza, tendo em vista que a água da enchente pode levar à transmissão de doenças. Os cuidados variam de acordo com o tipo de produto e material em questão.
“O principal risco da sanitização inadequada dos objetos é você entrar em contato com microrganismos, desde a leptospira, que é a causadora da leptospirose, até vírus, principalmente o vírus da hepatite A, e bactérias, como as causadoras de gastroenterite”, afirma Dra. Rosana Richtmann, infectologista e consultora da Dasa.
Alexandre Schwarzbold, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), reforça que todas as indicações de limpeza exigem tanto o uso de produtos adequados quanto uma esfregação mecânica eficiente.
A seguir, saiba como e em quais casos é possível recuperar produtos expostos às enchentes:
Alimentos
A recomendação do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é de que alimentos (frutas, legumes, verduras, carnes, grãos, leites e derivados, enlatados) que entraram em contato com as águas da enchente sejam descartados, mesmo que estejam embalados com plásticos ou fechados, devido aos riscos de contaminação.
Remédios
Segundo o Centro Estadual em Vigilância e Saúde do RS, os medicamentos que tiveram contato com a água da enchente devem ser descartados, mesmo que estejam fechados ou embalados com plástico. Isso porque as embalagens dos fármacos costumam contar com materiais como papel e plástico, que, em razão da porosidade, podem absorver microrganismos.
SOS RS:
Móveis
Para recuperação de móveis, é necessário começar avaliando o material do objeto. No caso de materiais não porosos, como metais e vidros, a chance de recuperação é maior, ainda que sejam necessárias algumas medidas para garantir a segurança física e sanitária do material.
“Os metais são um grande exemplo. Além da limpeza para descontaminar o material, utiliza-se um tratamento anticorrosivo para prevenir futuras oxidações”, explica Jorge Augusto Pereira Rodrigues, Gestor de Risco de Desastre e professor de engenharia da PUC Minas.
Para higienização das superfícies dos móveis, Schwarzbold, da Sociedade Brasileira de Infectologia, indica que a limpeza seja feita com um pano úmido com a mistura de 800 mil de água e 200 ml de água sanitária. Para garantir uma higiene adequada, o infectologista destaca a importância de um trabalho de esfregação mecânico intenso, ou seja, não basta passar a solução levemente sobre a superfície.
Já os materiais porosos, como a madeira, tendem a ser mais impactados pelo contato com a água. Nesses casos, Rodrigues explica que é necessário avaliar se há inchaço ou apodrecimento das peças, o que pode comprometer a estrutura e exigir o descarte do móvel. “Na maioria das enchentes, todos os móveis e objetos de madeira ficam inutilizáveis. Além disso, a madeira caba sendo um ambiente ideal para o crescimento de mofo e fungos”, aponta o professor.
Tecidos
Os tecidos devem ser avaliados de acordo com cada caso. Segundo o consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, para as roupas, é possível tentar a recuperação a partir do processo tradicional de limpeza, com água e sabão. Os tecidos que puderem ter contato com altas temperaturas ainda podem ser levados à água fervente por cinco minutos. O número de lavagens necessárias e a possibilidade efetiva de recuperação dependerá de cada peça.
No caso de carpetes, cortinas e sofás, também é possível tentar a recuperação a partir do mesmo processo de limpeza indicado para roupas. Contudo, no caso dos materiais que estiverem completamente encharcados pela água da enchente, o descarte pode ser o caminho mais adequado para garantir a salubridade do ambiente, segundo Rodrigues, que afirma que alguns itens, sobretudo os que demoram para secar, tornam-se propensos ao crescimento de mofo.
Fiação
A fim de garantir a segurança, antes de entrar em imóveis alagados, é recomendado verificar se o disjuntor geral está desligado para evitar o risco de choque elétrico. No caso dos espaços com energia fotovoltaica, é necessário evitar andar em áreas alagadas, pois os painéis solares continuam produzindo tensão.
Segundo Paulo Augusto Garay, engenheiro elétrico e presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas do Rio Grande do Sul (ABEE-RS), na maioria dos casos, a melhor alternativa é substituir cabos que foram expostos à água da enchente.
Rodrigo Doria, professor de engenharia elétrica da Fundação Educacional Inaciana (FEI), explica que os cabos elétricos tendem ser resistentes à água em virtude da proteção de PVC que acompanha o material. Contudo, nos casos de cabos submersos, pode haver penetração de água, que tende a danificar sobretudo os fios de cobre mais finos.
Para avaliar a possibilidade de recuperação, Garay indica dois testes: o Ensaio de Medição da Resistência de Isolamento, que, por meio de megômetro, avalia a condição do isolamento dos condutores, e o Ensaio de Tensão Aplicada, que testa a capacidade de tensão que o isolamento suporta, garantindo sua integridade.
“Na prática, é muito mais rápido e menos oneroso substituir os cabos, com exceção dos cabos de maior bitola, como, por exemplo, de transmissão e de transformadores”, aponta o presidente da ABEE-RS. Para a limpeza de materiais elétricos, o especialista recomenda que o trabalho seja feito por um profissional habilitado para a atividade, que poderá fazer o procedimento com segurança e utilizar os materiais necessários para reparação.
Eletrônicos e eletrodomésticos
Diversos eletrônicos e eletrodomésticos podem ser recuperados após o contato com a água. Para maiores chances de sucesso, vale tentar abrir os equipamentos antes de ligá-los à tomada. Caso o aparelho não esteja danificado, mas haja terra no interior, ele pode ser prejudicado com a entrada da corrente elétrica. Aparelhos ligados durante o contato com a água tendem a ter menores chance de conserto.
Uma cartilha elaborada pelos cursos de Engenharia Elétrica e de Controle e Automação da Universidade do Vale do Taquari (Univates) indica cinco passos gerais para tentar recuperar eletrônicos e eletrodomésticos:
- Com ferramentas adequadas, como chaves de fenda, chaves Philips e alicates, abra o aparelho para limpeza. Tire fotos para facilitar a remontagem posteriormente;
- Limpe com água corrente e esfregue com cuidado. Escovas de dente são uma opção para facilitar a higienização de espaços pequenos. Limpa contato e álcool isopropílico são alguns dos produtos que podem ser usados para a limpeza, que pode ser finalizada com óleo especial em spray, wd-40, para evitar futuras oxidações.
- Espere secar completamente, no sol ou com o auxílio de secadores de cabelo e sopradores. É importante que não haja nenhum resquício de água no equipamento.
- Depois de seco, feche o equipamento e tente ligar. Se não ligar de primeira, a recomendação é buscar assistência técnica especializada.
A Univates também indica instruções para equipamentos específicos:
- Geladeiras: apresentam motor selado e, assim, tendem a enfrentar menos problemas. Caso a placa eletrônica tenha sido atingida pela água, permanecem as instruções gerais.
- Máquinas de lavar: o motor não é selado e, por isso, também deve ser higienizado. A recomendação é abrir todos os compartimentos para garantir que não há sujeira no aparelho.
- Micro-ondas: apesar de contar com partes pequenas, os micro-ondas podem ser inteiramente desmontados para limpeza, o que facilita a recuperação.
- Televisões e computadores: a limpeza é mais complexa e, quando possível, eles devem ser totalmente desmontados. Caso haja lodo e a abertura do equipamento não seja possível, a recomendação é deixar a água escorrer por algumas semanas e tentar ligar novamente.
Utensílios domésticos
Utensílios domésticos, como panelas, copos, pratos e outros objetos laváveis, podem ser recuperados. A recomendação da Diretoria de Vigilância Epidemiológica é higienizar os itens com a mistura de quatro xícaras de chá de água (800 ml) para uma xícara de chá de água sanitária (200 ml), deixando-os mergulhados por uma hora na solução.
Estrutura física
Com as enchentes volumosas, a segurança estrutural dos estabelecimentos pode ter sido severamente afetada. Nesse sentido, ao retornar ao local atingido, é necessário analisar cuidadosamente sinais que podem indicar problemas no espaço.
“Os primeiros sinais que devem ser observados pelos empreendedores são os visuais, ou seja, observar a existência de fissuras e rachaduras por meio de uma inspeção das paredes, dos tetos e dos pisos em busca de qualquer um desses dois elementos, lembrando que a pressão da água pode ter causado essas microfissuras que comprometem toda a integridade da edificação”, indica Jorge Augusto Rodrigues, da PUC Minas.
Deformações e deslocamentos de pilares e vigas também devem ser observados, assim como a presença de mofos, que podem ser um indício de infiltração prolongada de água na estrutura. Rodrigues destaca que alguns problemas podem não ser vistos a olho nu, sendo recomendado, quando possível, a realização de análises e testes profissionais.
Estruturas de materiais porosos, como madeira, gessos acartonados, lã de vidro e espumas de poliuretano, tendem a ser mais comprometidas, exigindo, na maioria dos casos, descarte e substituição.
Pisos de materiais compósitos e laminados também sofrem danos com o contato com a água. “A camada laminada pode descolar, inchar ou deformar, comprometendo a aparência e a funcionalidade do material. Assim, muitas vezes, a substituição total é necessária”, afirma Rodrigues.
Pisos e paredes devem ser higienizados com a mesma mistura utilizada para os utensílios domésticos: quatro xícaras de chá de água (800 ml) para uma xícara de chá de água sanitária (200 ml). Depois de passar um pano úmido, as superfícies devem secar naturalmente.