Um Instituto em que os alunos se matriculam para ter aula de poções e encontrar criaturas mágicas pelos arredores de um castelo. Esta é a imersão proposta pelo Instituto Flamel, criado pela empreendedora e escritora Vanessa Godoy, de 34 anos. Com duração de quatro dias, a experiência acaba de realizar a sua terceira edição e reuniu 300 pessoas entre os dias 2 e 5 de agosto em Araxá, interior de Minas Gerais.
O negócio é baseado em uma história criada pela própria empreendedora — que se define como uma grande fã de literatura de fantasia. Ela conta que que se inspirou especialmente na saga “Os Livros da Magia”, de Neil Gaiman, mas que ela mesma tem referências culturais de diversas sagas do segmento, como “O Senhor dos Anéis” e “Harry Potter”. “Existem elementos que são comuns em todos os livros de magia, como o bruxo voar de vassoura e usar caldeirões. O próprio Nicolas Flamel existiu de verdade e foi um alquimista famoso pela pedra filosofal”, diz Godoy.
Primeiro, a empreendedora criou a Escola de Magia do Brasil (EMB), em 2016, que funciona como o “ensino regular” de bruxaria. No entanto, ela conta que sentiu a necessidade de criar um empreendimento complementar, como uma “faculdade dos bruxos”. Assim, fundou o Instituto Flamel em 2019. Atualmente, a história já conta com dois livros publicados pela editora Universo da Literatura— “Brigada dos amaldiçoados” (2018) e “Estrelas do Amanhã” (2022) — e mais de 1 mil personagens que vivem no país fictício Bàdiu.
A EMB realiza cerca de três experiências por ano. Cada uma recebe em torno de 120 pessoas, com ingressos vendidos a R$ 3.229. Já o Instituto Flamel é um evento anual que tem ingressos vendidos a R$ 3.079. Ambas as experiências têm uniforme, alimentação e material inclusos no custo. Amanda Godoy, esposa de Vanessa, também é sócia do negócio.
Negócio viralizou com críticas
A empresa viralizou recentemente no X, depois que um usuário encontrou o castelo em que se passa a imersão. Inicialmente, o internauta relatou não ter entendido o que era a proposta, mas, após uma pesquisa, descobriu que se tratava de um negócio que existe há anos. “Achei interessante, mas acho muito estranho. São adultos fingindo serem professores de magia, crianças participando, pessoas fingindo viver num mundo de mentira [SIC]”, escreveu. A publicação alcançou mais de 50 mil curtidas.
Segundo a empreendedora, as críticas na internet não a incomodam, e tampouco os clientes, já que todos estão muito envolvidos na narrativa. “Criei uma coisa que eu queria que tivessem criado para eu poder viver, com uma riqueza de detalhes e imersão”, afirma. “Parece um filme ao vivo. É tão real, que as pessoas se esquecem que aquilo é fantasia. As personagens também conversam com os alunos, dão conselhos e são reais”.
Frustração impulsionou empreendedorismo
Formada em turismo, a empreendedora conta que sempre teve o desejo de unir a carreira com sua paixão por cultura pop. “Sou geek, então tenho muitas referências de literatura fantasiosa para criar uma história. Pensei que seria interessante ter uma hospedagem que oferecesse uma imersão em um mundo de fantasia”, afirma.
Em 2015, a profissional trabalhava em uma agência de turismo em Porto Alegre (RS), e propôs um evento de um dia para testar o modelo de uma escola de magia. “Eles toparam realizar uma parceria, e comecei a desenvolver a história e os personagens.”
O primeiro encontro foi realizado em Montenegro, no interior do Rio Grande do Sul, e reuniu 320 pessoas — o ingresso custou R$ 370. “Era um evento de um dia, em que as pessoas saíam de um ônibus em Porto Alegre às 7 horas da manhã e voltavam à meia-noite. O dia teve diversas atividades, incluindo aulas e duelos”, diz. Até hoje, a empreendedora não sabe bem o motivo de ter dado certo desde o início.
“Acredito que foi um pouco de sorte. Não tinha muitos conhecimentos de divulgação, e criei apenas uma página de divulgação no Facebook. Em poucos dias já consegui muitos seguidores porque as pessoas simplesmente gostaram da ideia de imersão”, afirma.
Apesar do sucesso da experiência, a empreendedora percebeu que deveria seguir no projeto sem a parceria com a empresa em que trabalhava para realizar as coisas da sua maneira. “Fiquei muito frustrada de não poder fazer o design que eu queria, com um estilo mais antigo”, afirma. Então, com R$ 14 mil que tinha guardado, iniciou o desenvolvimento do negócio.
Castelo interditado quase acabou com magia
Pesquisando na internet, Godoy encontrou um castelo para alugar em Campos do Jordão, no estado de São Paulo. “O valor era R$ 100 mil, e negociei que pagaria R$ 10 mil de entrada e parcelaria o restante. As contas não fechavam, mas decidi arriscar”, conta. No primeiro mês de vendas, em dezembro de 2015, a empreendedora vendeu apenas um pacote — eram 100 no total. O jogo virou no mês seguinte, quando a empresa viralizou nas redes sociais.
“Fui procurada por diversos veículos de comunicação. Consegui vender o restante das vagas em um mês e pagar o valor total do aluguel”, afirma. A ideia inicial da empreendedora era organizar uma imersão anual, como uma fonte de renda extra oriunda de um hobby.
O evento estava marcado para junho de 2016, mas teve que ser cancelado um dia antes porque o castelo foi interditado e não poderia realizar eventos naquele momento. “Não foi culpa nossa, mas tivemos que lidar com a situação. Fiz muitas publicações para mostrar que tudo estava pronto para começar, mas que o espaço estava lacrado”, afirma Godoy, que ligou diretamente para negociar com os clientes.
“Eu estava muito preocupada com a reputação do negócio, porque sabia que queria continuar organizando o evento. Então me ofereci para pagar passagens e outros custos que não eram reembolsáveis, mesmo que de maneira parcelada”, diz.
A empreendedora, então, começou a divulgar o projeto da EMB em exposições e eventos para vender produtos temáticos e arrecadar fundos para quitar as dívidas com os clientes — o que ela conseguiu em um ano e meio.
Pandemia atrasou lançamento do instituto
Em 2018, Godoy foi procurada pela editora Universo da Literatura para lançar um livro sobre a narrativa contada na imersão. “Isso me deu a oportunidade de mergulhar ainda mais na história. Gosto de narrativas bem detalhadas, e pensei que faltava a vivência da universidade. Instituto Flamel era um nome que faria sentido para uma instituição que ensina poções”, afirma. “Pensei que poderia criar um instituto real, em que seria possível atingir um público mais jovem e adulto, que sempre foi o meu objetivo.”
Então, encontrou um castelo em Araxá, interior de Minas Gerais. “Era o espaço perfeito, com capacidade para 300 pessoas”, afirma. A primeira edição do Instituto Flamel estava prevista para 2020 — mas precisou ser adiada para 2022, em razão da pandemia. Desde então já foram realizadas três edições.
Godoy diz que são inúmeras as oportunidades de expansão do negócio dentro da narrativa que criou. “Tudo pode ser explorado, inclusive no setor de alimentação. Posso começar a vender vinhos feitos na vinícola que existe dentro da história. Também já citei 10 marcas de café em um ranking no nosso jornal, e eles podem ser vendidos um dia.”