Centenas de pesquisas são realizadas nas bancadas das universidades brasileiras anualmente, mas o número de startups criadas para transformar os estudos em produtos ou soluções que podem ser utilizadas por empresas e consumidores finais ainda é pequeno. Um estudo recente realizado pela consultoria em inovação Emerge mapeou 875 deep techs no país, enquanto o número total de startups gira em torno de 12 mil. Os desafios incluem falta de mentalidade empreendedora, distância do mercado e dificuldade no acesso a capital.
“A academia ainda está isolada do mundo. Precisamos de injeção de cultura, ânimo e energia, que legitimariam o professor e os alunos a quererem criar uma startup. Temos que deixar uma mensagem clara de que isso é muito importante para o país”, opina Rochel Lago, diretor e pesquisador do Escalab, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O assunto foi debatido durante o Fórum Sebrae de Inovação 2024, evento que fez parte da programação da 34ª Conferência da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), realizada em São José dos Campos (SP). O painel também contou com a participação de Ana Calçado, da Wylinka; Lucas Lima, do Sebrae for Startups; e Anderson Soares, do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (Ceia) da Universidade Federal de Goiás (UFG).
“O Brasil está na 50ª posição de um ranking mundial de inovação. Nós publicamos 2% dos artigos científicos do mundo e estamos entre os 15 países que mais investem em pesquisa e desenvolvimento. Qual é a questão? Temos dificuldade para converter pesquisa em inovação, e um dos aspectos é a qualidade da pesquisa que é feita, vai além do desejo de empreender. Tem de haver viabilidade técnica, econômica e de mercado”, afirma Adriana Ferreira de Faria, presidente da Anprotec.
Ela destaca a importância das incubadoras nessa frente. “Elas ajudam na compreensão de que uma coisa é tecnologia, outra é produto. Existe esse processo de sair da bancada, da mesa do laboratório e ir ao mercado. Tem um vale da morte, a escala é o funil da inovação e ela é perversa”, diz.
Lago afirma que não falta empolgação de professores e alunos com o empreendedorismo na universidade, mas há desconhecimento de como empreender. “A tecnologia pode ter maturidade, os modelos de negócios podem estar demonstrados, mas a maioria das startups morre porque eles não sabem colocar na prática, montar uma pequena operação industrial e comercial para gerar ações”, comenta.
Calçado, que trabalha na capacitação de cientistas com a Wylinka, diz que a educação empreendedora é o principal motivo pelo qual outros países evoluíram na inovação tecnológica e com as deep techs. Como exemplo, ela cita programas de empreendedorismo e de conexão com a indústria para apresentar o tema para os estudantes e apresentar os caminhos para abrir o próprio negócio.
Outro ponto importante é reconhecer as próprias limitações. Lago diz que o pesquisador pode acabar atrapalhando a evolução da empresa por causa da falta de tempo e do desvio de função. É preciso entender que o papel pode ser outro dentro do negócio, deixando a operação diária na mão de outras pessoas.
Lima concorda. “Se você não quer se tornar empreendedor, procure alguém que seja. Tem de entender a modelagem de negócios, fluxo de caixa, se preparar para as primeiras vendas, saber o momento de buscar investimento”, pontua.
Assim como existe desconhecimento dos fundadores de deep techs sobre os processos do empreendedorismo de base tecnológica, os investidores também não entendem que a dinâmica com essas startups é diferente. “O investidor não consegue entender nem avaliar as deep techs. Elas têm necessidades específicas. É importante entender as características de risco e de retorno financeiro para desenvolver instrumentos que sejam realmente adequados para a criação dessas tecnologias”, avalia Calçado.
No Brasil, o capital ainda está concentrado em startups de software como serviço (SaaS) e B2B, a receita mais comprovada para escalar rapidamente e gerar retorno para os investidores. “Ouvi no Vale do Silício que o investidor brasileiro quer investir pouco e ganhar muito em pouco tempo. As deep techs não são startups digitais, não são aplicativos. Estamos fazendo ciência, não vamos fazer o novo iFood”, opina Lima.
Startups:
A alternativa mais usada para financiamento pelas deep techs é pleitear aos editais de subvenção econômica realizados por instituições como Finep, Embrapii, Sebrae e as Fundações de Amparo à Pesquisa. Porém, até nesse caso, elas enfrentam barreiras. Soares alerta que é preciso ter mais celeridade. “No Brasil, a gente carrega uma cultura de que a inovação tem data para acontecer. São seis meses para olhar as inscrições, dois anos para liberar os fundos. Com startups, o timing é tudo”, destaca.
A conferência também foi palco para o lançamento do novo edital Catalisa ICT, programa do Sebrae para fomento de projetos de inovação baseados em pesquisas científicas. A iniciativa é voltada para mestres e doutores, com trabalhos com potencial de inovação, que já tenham participado do primeiro ciclo do projeto. Os participantes receberão capacitação, mentoria e poderão ajustar suas soluções a partir de demandas reais de grandes players. O órgão pretende apoiar 300 planos e atender 150 empresas inovadoras.
*A jornalista viajou a convite da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec).