Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP), quer acabar com a jornada 6×1, em que trabalhadores cumprem seis dias de trabalho e têm apenas um dia de descanso semanal. Inspirada pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT), encabeçado pelo vereador de São Paulo Rick Azevedo (PSOL), a proposta sugere uma jornada 4×3, com quatro dias de trabalho e três de folga.
A carga semanal diminuiria de 44 horas para 36, mantendo o mesmo salário e benefícios dos trabalhadores. As regras atuais datam da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, que permite jornadas de seis dias consecutivos, desde que o trabalhador tenha um descanso semanal. Na Constituição de 1988, a jornada semanal foi reduzida de 48 para 44 horas.
Para a advogada trabalhista Priscila Soeiro Moreira, do escritório Abe Advogados, a proposta representa uma mudança estrutural significativa. “Hoje, a jornada máxima no Brasil é de 44 horas semanais, com descanso preferencial aos domingos. A Constituição estabelece um limite de carga horária, mas permite variações nas escalas, que podem ser negociadas em convenções coletivas”, explica. Segundo Moreira, convenções de algumas categorias já estipulam jornadas de 40 horas semanais, e a PEC poderia abrir caminho para expandir esse tipo de negociação.
Brunno Giancoli, professor de Direito do Ibmec SP, questiona a aplicabilidade da medida. “Se essa PEC ganhar força popular, estamos falando de uma mudança de paradigma, com base em modelos europeus e norte-americanos, que não refletem totalmente a realidade brasileira, onde o custo do emprego e os encargos trabalhistas são altos”, aponta.
Para Giancoli, o impacto pode ser severo, especialmente em setores com jornadas flexíveis, como vendas e saúde. “A PEC pode reduzir os salários, já que muitos empregadores não se sentirão confortáveis pagando o mesmo para jornadas mais curtas. A ideia de produtividade concentrada em menos dias é relativa e depende muito do perfil do trabalhador”, diz ele.
Ele também ressalta que o Brasil precisaria ajustar outras questões trabalhistas. “Antes de pensar em reduzir dias de trabalho, deveríamos discutir a desoneração da folha para incentivar contratações formais. Com um mercado informal gigantesco e muitos empregadores já sobrecarregados por questões como hora extra, uma redução de jornada pode ter agravar isso e efeitos colaterais imprevisíveis”, pondera Giancoli.
Especialista aponta desafios para adoção em pequenos negócios
Nesta segunda-feira (11/11), a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) se posicionou contrariamente à redução do limite da carga de trabalho de 44 para 36 horas semanais. Segundo a entidade, a diminuição da carga horária sem redução dos salários, pode implicar em aumento de despesa operacional para as empresas.
De acordo com José Carlos de Souza Filho, professor da FIA Business School, a proposta de substituir a jornada 6×1 por uma jornada de quatro dias de trabalho e três de descanso pode trazer desafios significativos, especialmente para pequenos comércios, como lojas, mercados e restaurantes. “Nesse conjunto de atividades, vemos uma alta frequência de jornadas no formato de 6×1”, afirma.
Filho destaca também que muitas dessas relações de trabalho não estão formalizadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas por contratos de prestação de serviços via pessoa jurídica (PJ). “Precisamos entender até que ponto a lei abrangeria essas pessoas jurídicas que operam fora do regime CLT”, afirma.
Caso a mudança na jornada seja implementada, Filho acredita que haverá impacto financeiro para as pequenas empresas, especialmente se a medida exigir mais contratações. “Nesse caso, o custo das empresas aumentará. Será necessário redefinir a estrutura dos contratos de trabalho, e o peso dessa mudança será maior para pequenos negócios, que já enfrentam uma concorrência acirrada”, avalia.
Filho também levanta a questão de setores que operam em regime contínuo, como call centers, que funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana. “Precisamos entender qual seria o impacto em áreas que têm demandas ininterruptas. Esses setores podem ser os mais afetados e precisariam de soluções específicas para que a jornada reduzida funcione na prática”, ressalta o professor.
Colaboradores ganhariam em bem-estar e produtividade a longo prazo
Daniel Consani, CEO do grupo TopRH, avalia que a extinção da jornada de trabalho 6×1 forçaria as empresas a fazer ajustes nas equipes, especialmente em setores como varejo e produção, mas a mudança seria positiva com relação ao bem-estar dos trabalhadores.
“Esse ajuste pode significar mais tempo de descanso e, consequentemente, uma melhoria na saúde mental”, destaca. “Isso pode refletir em maior produtividade a longo prazo, já que funcionários descansados são geralmente mais engajados e propensos a manter o foco. É importante observar que a adaptação a uma nova rotina pode causar uma pequena queda de produtividade inicial enquanto todos se ajustam”, acrescenta Consani.
De acordo com o especialista, a remuneração também precisaria ser repensada, com possíveis ajustes em horas extras e benefícios para garantir a competitividade. “Mudanças na jornada de trabalho podem impactar diretamente as práticas de compensação, especialmente em empresas que oferecem horas extras e adicionais noturnos. Dependendo da configuração adotada, os empreendimentos podem ter que revisar políticas de bonificação ou mudar os planos de remuneração para manter a competitividade e atrair talentos.”