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Empresas brasileiras de diversidade estão otimistas, mesmo com recuos nos EUA

Fonte: Redação

Quando a consultoria Mais Diversidade surgiu, em 2016, a maior parte da demanda vinha de empresas multinacionais — especialmente de origem norte-americana — que trouxeram pressão para que medidas de diversidade e inclusão (D&I) fossem inseridas em suas operações no país. Quase dez anos depois, o cenário mudou no sentido contrário, segundo o fundador e CEO da consultoria, Ricardo Sales. “O perfil está caminhando para ser majoritariamente de empresas brasileiras. Isso é uma grande mudança porque tivemos dificuldade de engajá-las no início. Elas não tinham tanto interesse em se aproximar do tema”, diz.

Este é um dos motivos para que o empreendedor se mantenha otimista em relação aos impactos das grandes empresas dos Estados Unidos que recuaram em suas políticas de diversidade. No início deste ano, o McDonald’s anunciou que revisará e reduzirá suas metas de diversidade nos EUA, seguindo empresas como Toyota, Walmart, Microsoft, Meta e Amazon, que também ajustaram suas políticas na área.

“Dado o poder e a influência que os EUA têm, é inevitável que observemos o que acontece por lá e tenhamos a tendência de universalizar suas questões. Por exemplo, a crise em relação à diversidade pode parecer que impactará o mundo todo, mas isso não é necessariamente verdade”, diz Sales, acrescentando que podemos olhar exemplos positivos em outros locais.

Ele cita a União Europeia, que aprovou, no final do ano passado, uma diretiva de direitos humanos que se aplica a todas as empresas do bloco ou que fazem negócios com ele. “No Brasil, também contamos com legislações relevantes, como a lei de igualdade salarial e as medidas contra o assédio. Há dois anos, durante a administração de [Jair] Bolsonaro, o Congresso brasileiro – mesmo sendo conservador – referendou a continuidade do sistema de cotas no país.”

Ricardo Sales, da Mais Diversidade — Foto: Divulgação
Ricardo Sales, da Mais Diversidade — Foto: Divulgação

O empreendedor diz que um ponto de virada no negócio — e em todo o ecossistema de diversidade e inclusão — veio em 2020. “Primeiramente tivemos uma pandemia, que escancarou a desigualdade de uma forma que se tornou inevitável o debate sobre essas questões. Foi também o ano em que Larry Fink, CEO da BlackRock, publicou uma carta em defesa das práticas ESG, inserindo essa sigla com mais força no nosso dia a dia”, diz Sales. No mesmo ano ocorreu o assassinato de George Floyd, que gerou protestos no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde também aconteceu a morte de João Alberto em uma unidade do Carrefour.

Essa combinação de fatores, analisa Sales, aumentou a pressão para que empresas se posicionassem, com compromissos públicos. “No Brasil, os negócios não tinham, necessariamente, uma tradição consolidada nesse tema e, em geral, limitavam-se a cumprir exigências legais, como a lei de cotas e as políticas contra o assédio”, afirma.

De lá pra cá, ele enxerga um amadurecimento nas agendas, em que as consultorias também se tornaram mais plurais em relação a esse assunto. “Mais recentemente, observamos avanços no debate de outros temas, como a situação das pessoas refugiadas e questões relacionadas à comunidade LGBTQIAPN+ que antes eram tabu no mercado de trabalho”, diz.

“Por fim, percebemos que as demandas se tornaram mais complexas. Um exemplo disso são empresas que já avançaram internamente com seus colaboradores e agora buscam expandir suas iniciativas para a toda a cadeia. “Ajudar os fornecedores a desenvolverem suas próprias políticas de diversidade é um passo importante nesse processo.”

O empreendedor não revela números de faturamento e crescimento. Durante o boom de 2020, a empresa chegou a ter 50 funcionários — hoje está em cerca de 40. Segundo Sales, não era esperado manter o mesmo ritmo de um momento tão atípico. De acordo com ele, isso também não significa que a demanda do setor esteja menor.

“Muitas empresas evoluíram tanto no tema que internalizaram cargos de diversidade, com profissionais dedicados a isso dentro da empresa. Isso mostra uma institucionalização da pauta, que não é mais periférico”, diz. “Estamos diante de uma grande oportunidade: transformar o Brasil na principal referência mundial nesse tema. Apesar de termos começado mais tarde, temos potencial para isso.

Cenário desafiador, mas com oportunidade

Fundada em 2021, a agência de diversidade Nhaí começou justamente no boom citado por Sales. “A empresa foi fundada durante o governo de [Jair] Bolsonaro, em um momento em que as organizações enfrentavam a dificuldade de construir um caminho nesse sentido. Havia uma demanda muito clara. Agora, observa-se um certo esfriamento da pauta”, diz Raquel Virginia, cantora e fundadora da Nhaí. Com isso, o negócio estagnou no último ano — e teve o mesmo faturamento de 2023.

Raquel Virgínia, da Nhaí — Foto: Divulgação
Raquel Virgínia, da Nhaí — Foto: Divulgação

A empreendedora relembra que inserir diversidade e inclusão nas empresas sempre foi um grande desafio — mas relata receios de como as decisões nas empresas dos Estados Unidos chegarão por aqui. “O Brasil tem suas próprias dinâmicas e autonomia, mas muitas decisões tomadas aqui estão relacionadas a empresas com sedes e envolvimento político por lá”, afirma.

“Não podemos acreditar que os negócios com os quais dialogamos e mantemos parcerias estejam alheios a toda essa movimentação. Isso acaba tornando muito mais difícil lançar projetos e conquistar patrocínios, além de incentivar as marcas a desenvolverem alguma comunicação ou projeto”, diz Virgínia

Mesmo diante de um cenário desafiador, ela se diz otimista — mas reconhece que é o momento de ser mais estratégica. “Sou empreendedora e olho para todo esse cenário como uma oportunidade. Se a pauta está fria, é porque há espaço para aquecê-la”, afirma.

Para convencer as empresas, a empreendedora aposta em fazê-las entender que é preciso ter consistência em suas ações. “A empresa não terá uma vida longa e próspera se seguir apenas tendências momentâneas. Também apresentamos pesquisas que indicam que a Geração Z, que será a próxima consumidora, valoriza pautas de diversidade e inclusão. Portanto, uma empresa que se desconecta desses temas corre o risco de perder a conexão com essa nova geração.”

Por fim, a Nhaí também não oferece nenhuma fórmula pronta para as marcas. “Nosso objetivo é sempre construir em conjunto com elas, desenvolvendo projetos muito mais customizados.“

“Se algumas empresas estão diminuindo seus investimentos, outras, em contrapartida, estão afirmando que irão aumentar ou manter suas ações. No momento, estou mais interessada nessas respostas: nas empresas visionárias que continuam enxergando e investindo em um futuro promissor.”

Evolução do ecossistema

A Diversitera também surgiu com o objetivo de atender a demanda crescente de diversidade e inclusão. “Eu e meu sócio entramos nesse mundo porque eu sou cadeirante desde os 15 anos. Toda a minha carreira foi como pessoa com deficiência, e cheguei a cargos de liderança, como diretor em uma multinacional. Ao longo de todo essa jornada, as cotas abriram portas para mim”, diz Marcus Kerekes, que fundou o negócio em 2020.

“O assunto já estava ganhando relevância. Cotas para pessoas com deficiencia já é um tema com mais de 30 anos no Brasil, mas foi ganhando corpo nos últimos anos”, diz o empreendedor, que também cita a pandemia e o assassinato do George Floyd como fatores que trouxeram luz ao assunto.

Marcus Kerekes, da Diversitera — Foto: Divulgação
Marcus Kerekes, da Diversitera — Foto: Divulgação

“Conseguimos ver isso tanto pelas necessidades de empresas clientes, quanto pelo número de players que surgiram no mercado para atender essa demanda. Ao longo do tempo o ecossistema foi se amadurecendo e ficando mais rico, com serviços mais segmentados”, afirma. A Diversitera cresce cerca de 50% por ano.

Segundo Kerekes, isso deu muita força ao tema ao longo do tempo — que ele não espera que seja perdido. “Ainda que a cultura brasileira seja influenciada pelos Estados Unidos, existem diferenças básicas, especialmente na legislação. Também já tivemos muitos ganhos como a inserção de pessoas no mercado de trabalho que oferecem mais musculatura para esse tema”, afirma o empreendedor, que cita iniciativas do Magalu, Itaú e e XP para inserirem pessoas diversas em suas empresas. “Tudo isso já trouxe um impacto positivo no mercado de trabalho.

O empreendedor diz que, de qualquer forma, é importante se manter atento para não recuar nas medidas de diversidade e inclusão. “Obviamente toda mudança proposta na sociedade gera uma resistência, e ainda estamos nesse momento.”

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