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Ele criou uma técnica para extrair corantes naturais das cascas de mandioca

Fonte: Redação

Apaixonado por moda, Sioduhi Paulino de Lima, 29, criou a marca Sioduhi Studio e buscou inspiração nas suas raízes culturais para desenvolver corantes naturais únicos. Após diversos testes e experimentos, ele fundou a ManioColor, uma startup que une tradição, tecnologia e sustentabilidade com foco no setor têxtil.

O negócio foi um dos selecionados para a quinta edição do edital Elos da Amazônia – Empreendedorismo Científico Indígena, realizado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Programa Prioritário de Bioeconomia, Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e Instituto de Desenvolvimento Tecnológico (INDT), com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

“Conseguir recursos e gerenciá-los é um grande desafio. O empreendedorismo é algo recente para nós, e poucas pessoas indígenas vivem exclusivamente dele. Essa oportunidade representa um grande incentivo para mim, mas também impacta diretamente a cadeia, incluindo artesãos e agricultoras”, afirma Lima.

A ManioColor cria corantes têxteis naturais a partir das cascas de mandioca, com produção em São Gabriel da Cachoeira (AM), como alternativa aos corantes sintéticos que contaminam as águas.

Testes com pigmentos extraídos de diferentes tipos de mandioca — Foto: Acervo pessoal
Testes com pigmentos extraídos de diferentes tipos de mandioca — Foto: Acervo pessoal

Lima nasceu na comunidade Waíkahna, no alto Rio Negro (AM), mas precisou se mudar para outro distrito ainda na infância para ter acesso à educação. No ensino médio, passou para o curso técnico em administração do Instituto Federal do Amazonas (IFAM). Acostumado a falar Tukano, a língua principal da sua região, ele teve de se adaptar à nova realidade.

Startups:

“Quanto mais eu saía desse afluente, mais eu me afastava culturalmente da comunidade. Isso me atravessou de tal forma que eu tive um longo processo de depressão, mas felizmente eu superei”, relembra.

Foi só depois de se formar em administração que Lima decidiu se aproximar de algo que sempre gostou: a moda. Mudou-se para São Paulo para estudar o tema, mas havia cursado apenas dois semestres quando a pandemia teve início. Ele não perdeu tempo e abriu a própria marca dentro do apartamento em que vivia.

“Construí a Sioduhi Studio e lancei a primeira coleção em 2020. No ano seguinte, senti uma necessidade imensa de voltar para casa, perdemos muitos anciãos na pandemia, trabalhamos muito com transmissão oral. Depois de três anos em São Paulo, voltei para a Amazônia”, conta.

Os primeiros experimentos para o tingimento com casca de mandioca começaram em 2021, após uma tentativa inicial com aroeira, uma espécie ameaçada de extinção. “Comecei a sentir necessidade de buscar algo escalável que não afetasse a natureza. No alto Rio Negro, trabalhamos com a mandioca raspada, ao invés de descascada. Eu nunca tinha pensado que algo descartado como adubo para plantas poderia ser corante também”, afirma.

Lima decidiu inscrever o projeto no Inova Amazônia, iniciativa do Sebrae, para que a ideia fosse validada. A ManioColor foi selecionada e contemplada com R$ 70 mil para realizar testes. A primeira coleção tingida com a tecnologia foi lançada em 2022, sem fixadores minerais ou naturais.

Peça da coleção da Sioduhi Studio tingida com o corante ManioColor — Foto: Divulgação
Peça da coleção da Sioduhi Studio tingida com o corante ManioColor — Foto: Divulgação

“Eu percebo que tenho uma grande chance de falar sobre o sistema agrícola tradicional do rio Negro, um patrimônio imaterial. De criar a perspectiva de que não estamos ilhados e que podemos contribuir com nossos conhecimentos compartilháveis. Os povos indígenas plantam mais de 200 espécies de mandioca, é um sistema complexo e milenar. Além da inovação para a indústria da moda, trazemos um impacto socioambiental para as comunidades”, declara.

Após o fim dos recursos, Lima continuou investindo do próprio bolso e buscando patrocinadores para que as coleções de 2023 e 2024 também fossem feitas com o uso da tecnologia. “Encontrar financiadores é um grande desafio. Não posso escalar a empresa de forma a comprometer o meio ambiente. Quando falo sobre inovação, bioeconomia e biotecnologia, estou abordando conceitos novos tanto para os indígenas quanto para a indústria têxtil nacional“, comenta.

Hoje a ManioColor ainda trabalha de forma artesanal. O empreendedor visita a comunidade, onde passa 30 dias coletando as cascas e acompanhando as artesãs no processo de extração com fogo de lenha em casas de forno. Ele precisa levar os tecidos de Manaus até a região para fazer o tingimento a frio, ao longo de três dias.

O processo de produção do corante ainda é artesanal, feito em comunidades indígenas — Foto: Acervo pessoal
O processo de produção do corante ainda é artesanal, feito em comunidades indígenas — Foto: Acervo pessoal

Com o aporte de R$ 1 milhão do edital Elos da Amazônia, Lima quer multiplicar os fornecedores da matéria-prima e otimizar o processo de criação do corante em um laboratório da capital. A ideia é vender os pigmentos para outras empresas, com rastreabilidade de origem.

“Queremos alcançar clientes como empresas têxteis, faculdades, lojas de tecido e fazer colaborações com marcas com valores semelhantes. Já existe interesse, mas não consigo atender às propostas porque ainda não consigo escalar”, explica. O empreendedor espera que a comercialização inicie dentro de um ano e meio.

Antes mesmo de utilizar o recurso – uma reunião de destinação do capital ainda vai acontecer –, Lima sabe que o dinheiro não é suficiente para concluir todos os processos e estudos necessários. “Preciso de mais R$ 1,2 milhão, mas no momento já é um grande passo. Estou esperançoso. Faltam melhorias, mas há chances de conseguir retorno com esse investimento”, conclui.

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