Na infância, as crianças aprendem tarefas cotidianas como escovar os dentes, arrumar o quarto e se deslocar pela cidade. No entanto, pequenos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) enfrentam desafios adicionais. Para ajudar, a clínica cearense Neuropsicocentro se uniu à startup Neurobrinq para criar o Toyt, um aplicativo que simula situações do dia a dia em um ambiente virtual, promovendo aprendizado e autonomia para crianças neurodivergentes.
O objetivo do aplicativo é oferecer previsibilidade e ampliar o acesso à estimulação, especialmente em regiões com escassez de profissionais especializados e altos custos de tratamento. A plataforma complementa a terapia tradicional, permitindo que os profissionais monitorem o progresso dos pacientes por meio de gráficos.
“Atendi autistas por 20 anos. Os resultados são pequenos, o profissional passa anos estimulando em sessões semanais de 50 minutos. Faltam ferramentas para dar velocidade ao processo. A tecnologia precisa vir para a nossa área, é urgente. O cérebro precisa de estímulo na fase inicial, se não tiver, a dificuldade é maior depois, com adolescentes e adultos que t~em limitações seríssimas”, aponta Clarissa Leão, diretora da Neuropsicocentro.
Startups:
O aplicativo oferece mais de 20 atividades baseadas na metodologia de “aprendizagem sem erro”, com dicas visuais para ajudar as crianças a encontrar as respostas corretas. À medida que dominam uma sequência, novos desafios são desbloqueados. “Criamos uma cidade inteira em 3D, com carros, lojas, semáforos lógicos e a casa do personagem, com seus cômodos. Ao jogar e entender o processo, a criança consegue aplicar o aprendizado na vida real”, explica Greg Pereira, fundador da Neurobrinq.
Ele fundou a startup dentro do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) para criar salas multissensoriais para crianças autistas: elas podem tocar piano ao encostar nas mãos de outras pessoas, ouvir sons, ver imagens, sentir aromas e até chuva. “Eu desenvolvi para ser usada em escolas. Bati na porta de várias instituições particulares e tive a ingrata surpresa de que 100% não comprariam porque não querem alunos autistas. É uma dor que as famílias sentem na pele, eu tinha um produto e ninguém queria comprar”, relembra.

Pereira adaptou sua estratégia e passou a direcionar a ideia para a área da saúde. Silviane Andrade, neuropsicóloga e sócia-diretora da Neuropsicocentro, foi a primeira cliente após se conhecerem em um congresso em 2016. Hoje, as salas estão em mais de 150 locais no Brasil, incluindo secretarias de educação em Belo Horizonte e Balneário Camboriú, além de aeroportos, como o de Congonhas (SP).
“Quando já estávamos com a sala instalada na clínica, sempre conversávamos sobre tecnologia. Ela me trazia provocações: o que podemos fazer para ir além? Havia desenvolvido o Toyt para usar nas salas, mas rodava devagar, éramos engenheiros e programadores sem o conhecimento da área de saúde. O aplicativo foi fruto de uma equipe multidisciplinar”, conta Pereira.
O time investiu R$ 1 milhão para estruturar o aplicativo, que passou pela avaliação de terapeutas na clínica cearense e foi testado por famílias por cerca de um ano e meio antes do lançamento oficial neste momento.
A plataforma opera com foco no B2C no formato freemium, com algumas atividades gratuitas. Para acesso ilimitado, as famílias precisam pagar uma assinatura mensal de R$ 59,90. “Nós entendemos que governos podem adquirir e oferecer no SUS e também pensamos em oferecer para os planos de saúde e conseguir patrocinadores para trazer empreendimentos reais para o ambiente virtual, entrando no ESG dessas empresas”, aponta Andrade.

Com o lançamento, a Toyt vai passar a investir em marketing e comercial para aumentar o awareness do produto. A meta é chegar a 100 mil usuários até dezembro deste ano. “Queremos atingir o breakeven antes do final do ano. A meta é agressiva, mas temos um custo acessível e podemos atingir por meio de programas públicos para atender camadas da população que não tem o mínimo necessário para reabilitação”, diz Pereira.
Andrade acrescenta que muitas crianças passam anos na fila de espera do SUS aguardando um diagnóstico, perdendo um tempo precioso de estímulo. “O autismo hoje é questão de saúde pública, os diagnósticos só aumentam e os profissionais não dão conta. Quanto mais autonomia dermos para essas pessoas, menos vamos precisar de previdência social”, conclui.