Ser um local seguro e, principalmente, acolhedor para mulheres que querem praticar futebol e outros esportes de areia é a proposta da Nossa Arena, inaugurada em 2021 pelas empreendedoras Júlia Vergueiro e Fernanda Luiz. Atletas amadoras, elas enxergaram uma oportunidade na falta de espaços com tais características em São Paulo. Após dois anos de atividades, o negócio registra quase 1 mil frequentadoras semanalmente e vai fechar o ano com faturamento superior a R$ 2,5 milhões.
Apesar de nunca ter frequentado escolinha, Júlia Vergueiro era incentivada pelos pais a praticar todos os esportes que queria, passando por patinação, ginástica olímpica e handebol, entre outros. Mas o futebol sempre esteve presente em sua vida: começou a jogar ainda pequena, junto com irmãos mais velhos, primos e amigos. A primeira experiência com o futebol feminino foi jogando no intercâmbio de seis meses durante o colegial, nos Estados Unidos.
Já Fernanda Luiz se relaciona com o tênis desde muito nova. Logo cedo demonstrou uma habilidade diferenciada e foi competir. Disputou torneios juvenis no Brasil e no exterior e conseguiu uma bolsa integral para jogar pela americana Old Dominion University, em Norfolk, Virginia, onde se graduou e se apaixonou pelas oportunidades que o esporte proporciona no desenvolvimento integral de jovens atletas.
Por experiência própria, ambas sabiam que era difícil encontrar lugares em que as mulheres esportistas não se sintam coadjuvantes de espaços majoritariamente masculinos. “Esses ambientes, sejam para praticar, torcer ou trabalhar, são dominados pelos homens. Se há pouco mais de 40 anos éramos proibidas de jogar, a maioria de nós ainda se sente intrusa nesses espaços. É chegar sem atrapalhar, usar o que sobrou de horários disponíveis, trocar-se em banheiros minúsculos para não entrar no vestiário masculino”, argumenta Júlia Vergueiro, CEO e fundadora da Nossa Arena.

As situações vividas pelas empreendedoras são desagradáveis. Certa vez, o dono de uma quadra disse a elas que deveriam jogar na “primeira quadra, a abre-alas, para agradar todo mundo que chegasse”, numa alusão aos homens que frequentavam o lugar. Até as alunas mais novas, de sete a 18 anos, que frequentam as aulas na Nossa Arena, têm histórias cabulosas.
“Uma mãe precisou brigar na reunião da escola para que a filha tivesse opção de se matricular no futebol, porque até então as meninas só poderiam fazer balé ou dança. Uma outra garota contou que estava na fila do banheiro na escola e escutou das colegas que ‘deveria usar o banheiro dos meninos’ porque jogava futebol e era igual a eles”, cita a CEO.
Diante de tais vivências, nasceu o empreendimento, com a intenção de reunir a comunidade futebolística feminina, assumindo o papel de protagonistas em um espaço exclusivo. Localizado no bairro da Barra Funda, o espaço tem 8.500 m², com três quadras de society (que podem ser unificadas e usadas como um campão de 11 x 11) e quatro quadras de areia para beach tennis (tênis de praia), beach volley (vôlei de praia) e futevôlei.
Ainda há estacionamento com 80 vagas e consultório de medicina esportiva e especialidades correlatas. Para completar, existe uma área de lazer coberta com churrasqueiras (disponíveis para aluguel) que recebe festas (de aniversários a casamentos e encontros corporativos), atendida pelo Nosso Bar, que abre diariamente e é lugar certeiro para as “resenhas” entre as frequentadoras após os jogos.
Na Nossa Arena, mais de 150 meninas treinam três vezes por semana, totalizando 15 aulas semanais de futebol society. Também participam de amistosos e campeonatos internos e até externos. O maior público, entretanto, são as mulheres adultas cis e lésbicas, que jogam futebol.

“Além dos grupos avulsos que alugam esporadicamente para jogar e fazer uma ‘resenha’, temos mais de 40 turmas mensalistas que treinam toda semana, cada uma com um perfil de participantes – iniciantes, avançadas, amigas de faculdade, colegas de trabalho, até os coletivos profissionais, que contratam as treinadoras e formam turmas nas quais qualquer mulher pode se matricular”, conta Vergueiro.
Influência da pandemia
Apesar de o futebol ser o motivador para a criação da Nossa Arena, os demais esportes entraram em cena por dois motivos principais. A construção das quadras de beach sports foi uma alternativa de atividades para as mães das garotas que antes apenas assistiam às filhas treinarem nas manhãs de sábado. Agora, várias delas treinam e/ou jogam simultaneamente.
A pandemia também teve seu papel. O empreendimento abriu em julho de 2021, quando os esportes de areia eram os únicos que começavam a ser permitidos. “O projeto original tinha uma quadra poliesportiva, mas tivemos que abrir mão dela por não saber em qual momento as modalidades coletivas seriam liberadas. Mas, no final, a meta sempre foi acolher. Incentivar a prática esportiva e a variedade de modalidades é importante para isso”, comenta a fundadora.
Com o intuito de fomentar ainda mais a presença das mulheres no futebol, a Nossa Arena mantém projetos e parcerias importantes. O empreendimento é sede da primeira unidade feminina da Barça Academy Pro, um projeto ligado ao FC Barcelona que conta com 35 escolas do mundo, aplicando as metodologias do time europeu nos treinos com crianças e adolescentes.
“A Barça Academy Pro Brasil nos procurou para abrir uma unidade em São Paulo, pois disseram ter gostado muito do ambiente familiar que o espaço oferecia. No entanto, não sabiam que era dedicado apenas ao futebol feminino. Foi então que negociamos a parceria com o Pelado Real Futebol Clube (PRFC), que já tinha mais de 200 meninas do sub7 ao sub18, para criar a Barça Academy Pro Femení. É a primeira e única unidade dedicada exclusivamente ao futebol feminino no mundo”, relata.
O PRFC existe desde 2011 e é um dos pioneiros no universo de coletivos de futebol feminino, com uma organização mais profissional. Criado por Bibi Martins, teve Vergueiro como aluna em 2012, e ela acabou se tornando sócia do projeto – o que a motivou a pedir demissão do trabalho em um banco tradicional e empreender.
“As turmas cresciam todo ano e, em 2016, resolvemos expandir para o público infantil, que hoje é o carro-chefe da escola, com 300 alunas e unidades na Barra Funda e no Butantã, além de um programa de formação de atletas para fazerem faculdade nos EUA com bolsa pelo futebol”, diz.
Faturamento crescente
O investimento para a construção da Nossa Arena e o início da operação foi de R$ 1,5 milhão. Desde a inauguração, o empreendimento conta com patrocínio de marcas de peso. A Nike foi a primeira a abraçar a ideia, seguida pelo Banco BMG. Ainda somam-se ao time de apoiadores a Vivo, a Centauro e o SporTV. Os patrocínios respondem por cerca de 20% de todo faturamento anual.
A renda principal vem dos serviços oferecidos: aluguel de quadras e espaço para eventos – sobretudo festas infantis e confraternizações corporativas –, day use, bar e treinos. As maiores receitas operacionais provêm do Nosso Bar e das mensalistas do futebol society. No segundo ano de operação, o faturamento foi 60% maior que o do primeiro. Com o fim da pandemia e a Copa do Mundo Feminina 2023, a expectativa das sócias é faturar mais de R$ 2,5 milhões neste ano.
Para 2024, os planos incluem dar visibilidade às atletas femininas nos jogos olímpicos e paraolímpicos, promovendo vivências com diferentes modalidades, rodas de conversa com jogadoras e profissionais do mercado esportivo, além de juntar a torcida para vibrar pelo Brasil. “Também estamos desenhando um novo espaço de beach bar, com um lounge e um mezanino para alugar para festas e eventos”, adianta Vergueiro.
As empreendedoras recebem muitos pedidos de expansão para outras localidades e estão de olho em terrenos em São Paulo para ampliar as modalidades atendidas. Ainda estudam mercados em outras cidades que tenham potencial para crescimento.