De tradição familiar a negócio: licor abastece festas juninas e impulsiona pequenas empresas na Bahia

Fonte: Redação

No embalo das festas juninas no Nordeste, especialmente na Bahia, o tradicional licor ganha novos sabores e estratégias de venda, transformando-se em fonte de renda para empreendedores que enxergaram no costume centenário uma oportunidade de negócio. É o caso de Edvaldo Neto, sócio proprietário do Licor Caminho da Roça, que começou a produção de forma artesanal em 2019, na cidade de Feira de Santana. A ideia veio da esposa e sócia, Thamires Izabella, após ter feito um curso sobre o preparo da bebida na faculdade.

“Começou meio que uma brincadeira durante a greve e suspensão de aulas na faculdade. Lembro que compramos 100 garrafas, mesmo sem acreditar que conseguiríamos vender aquela quantidade”, diz Neto.

Inicialmente, a dupla começou a produzir os licores com os equipamentos que já tinham em casa, mas sentiram a necessidade de ampliar a escala de produção por meio da profissionalização do negócio. O movimento também incluiu a saída do varejo para o atacado.

“Conseguimos vender muitas unidades para o varejo. A partir daí, fomos evoluindo e ganhando mais experiência. No ano seguinte, passamos a trabalhar no atacado, atender os depósitos de bebidas e mercados na cidade”, conta o empreendedor.

Hoje, a empresa distribui os licores para mais de 100 pontos, incluindo perfis hospedados em marketplaces como Mercado Livre, Amazon e Shopee. Entre as opções de sabores estão: maracujá, amendoim, coco, chocolate, café e chocolate com pimenta. De acordo com Neto, a expectativa é aumentar a receita em 65% com as vendas deste ano.

“Investimos nessa proposta de transformar a produção artesanal em uma roupagem profissional. Temos o nosso registro no Ministério da Agricultura e Pecuária”, afirma.

Para a produção dos licores, a fábrica dispõe de um maquinário específico, a exemplo do tanque de mais de 1 mil litros para confecção e mistura dos ingredientes. A equipe da empresa é composta por oito funcionários fixos, mas o número pode chegar a 15 a depender da contratação de profissionais temporários.

“Começamos com o nosso liquidificador de 1 litro e meio, depois compramos um de 20 litros. Agora, conseguimos tratar mais de 1 mil litros na fábrica. Fomos investindo aos poucos ao longo dos anos, sempre pegando o dinheiro das vendas e aplicando no negócio”, afirma.

Embora a busca pela bebida aumente entre os consumidores no mês de junho, o trabalho na empresa segue a todo vapor durante o ano todo. Segundo Neto, a compra dos insumos acontece em fevereiro para atender a maior demanda impulsionada pelos festejos juninos.

“A maior produção é no mês de maio, pois é quando abastecemos todos os pontos de venda. Temos que oferecer o produto antes do São João”, diz.

Mesmo com o apelo junino, Neto destaca o trabalho da marca em se manter em outros momentos do ano por meio de posts estratégicos nas redes sociais.

“Apostamos em sabores cremosos para atrair diversos públicos. Criamos um site e investimos na produção de conteúdo nas redes sociais para fortalecermos nossa marca”, ressalta.

Edvaldo Neto e Thamires Izabelle, sócios da Licor Caminhos da Roça — Foto: Divulgação
Edvaldo Neto e Thamires Izabelle, sócios da Licor Caminhos da Roça — Foto: Divulgação

Tradição

Fundada na cidade de Cachoeira (BA), a Arraiá do Quiabo é uma das empresas que preservam a tradição local na produção de licores, com receitas que preservam a cultura da região. Vanessa Tays, assessora de comunicação do Arraiá do Quiabo, explica que a produção começou de forma artesanal e transformou-se em negócio há 32 anos. “A produção de licor faz parte da cultura de Cachoeira. As famílias faziam em casa para presentear há mais de 100 anos”, pontua.

Segundo ela, a marca investe em uma comunicação estratégica para se manter atualizada, mas sem perder a essência. Em meio à inovação das redes e criação de novos sabores, a tradição se mantém com a oferta das receitas consolidadas pela marca. O carro-chefe é o licor de jenipapo, que é vendido no varejo e atacado.

“Mudamos o posicionamento. Além de fazer essa comunicação com o público de mais de 60 anos, que já consome nosso produto há bastante tempo, passamos a fazer uma comunicação com o público jovem de 18, 20 anos”, diz.

Licor de Jenipapo do Arraiá do Quiabo — Foto: Divulgação
Licor de Jenipapo do Arraiá do Quiabo — Foto: Divulgação

Esse processo envolve ainda a expansão da fábrica, que inclui área de recepção para os clientes degustarem os produtos. Ao todo, a empresa produz 24 sabores de licores. Além da forte influência cultural para a cidade, Tays destaca o impacto da fábrica na geração de renda e emprego. Atualmente, a Arraiá do Quiabo possui cerca de 60 funcionários.

Em Cachoeira, a bebida foi tombada como patrimônio histórico municipal. A cidade ainda possui a Associação de Produtores de Licor de Cachoeira, que foi criada para fortalecer os negócios da região. Segundo a entidade, cerca de 500 mil litros de licor devem ser comercializados na região neste ano.

Saída durante a pandemia

A produção de licor surgiu como uma solução para a empreendedora Edilene Lima durante a pandemia de covid-19. Isso porque ela precisou suspender o funcionamento da sua empresa de dedetização em Salvador (BA) devido ao isolamento social. Em meio ao boom das transmissões no período, a baiana teve a ideia de investir no segmento de vendas da bebida. Em 2021, ela começou comprando caixas de marcas já consolidadas no estado para revender.

“Sempre comprávamos licor para tomar em casa vendo as lives dos artistas e pensei: ‘Por que não aproveitar para fazer uma renda extra?’. Minha empresa ficou fechada, perdemos contratos por conta da pandemia”, lembra.

Nesse período, ela diz que fez um investimento inicial de R$ 500 para a compra de uma caixa no atacado. “Vendemos tudo, triplicamos o valor e aí comprávamos mais”, diz.

Edilene e Evelin Lima, mãe e filha, que fundaram a Licor Todo Dia — Foto: Divulgação
Edilene e Evelin Lima, mãe e filha, que fundaram a Licor Todo Dia — Foto: Divulgação

Com o sucesso das vendas, ela ouviu a filha Evelin Lima, que decidiu aprender a produzir os licores em um curso online. Apesar do interesse da família, a empreitada de acertar o ponto ideal da bebida foi desafiadora e levou cerca de um mês, segundo a empreendedora. Em 2023, ela passou a vender apenas os próprios licores produzidos pela família.

“Acho que até conseguir chegar no ponto ideal, perdemos uns 30 litros de licor. Foram vários testes para aprimorar as receitas”, afirma.

Com valores a partir de R$ 15, a marca oferece um cardápio variado de 30 sabores, entre eles misturas inusitadas como maracujá e manga e doce de leite com café. Neste ano, a empresa está expondo os produtos em uma vila junina organizada dentro de um shopping da capital baiana. A expectativa é de um crescimento de 20% nas vendas.

“Ficamos no shopping até o dia 28 de junho e isso é bom porque as pessoas conseguem experimentar, já que só atendemos sob encomenda.”

Preservação da história local

Segundo a professora Sálua Chequer, pesquisadora em Cultura Nordestina, a produção artesanal de licores é uma prática que atravessa gerações, com receitas que utilizam ingredientes locais e naturais. A tradição abrange diversos estados do Nordeste, além da Bahia.

“A produção de licor enfatiza e valoriza o que é produzido na região, bem como as comidas típicas das festas juninas como o amendoim e milho. Hoje, as receitas têm outros ingredientes, mas basicamente o que mantém a maior produção são as frutas, especiarias e sabores locais”, pontua.

Além de seu papel nas festividades, Chequer corrobora que o licor também representa uma fonte de renda para muitas famílias e comunidades, contribuindo para a economia local. “É um processo de família que passa de pai para filho, sem sombra de dúvida. A tradição, o conhecimento, as famosas receitas de família, tudo isso é passado de uma geração para a outra e é mantido. Até o momento que o espaço de casa fica pequeno e a proposta se expande para o negócio”, afirma.

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