Conscientização, aspectos financeiros, economia de recursos e a maior preocupação do cliente com o meio ambiente estão entre os principais motivadores para que gestores de bares e restaurantes adotem medidas de economia circular em seus negócios. É o que aponta o Diagnóstico de Economia Circular divulgado pela Associação Brasileira de Restaurantes (Abrasel) e pelo Sebrae com exclusividade a PEGN.
O estudo ouviu mais de mil gestores de bares e restaurantes em todo o Brasil, e os resultados indicam boa performance de pequenos negócios em aspectos como gestão, fornecedores, energia e administração de resíduos.
Luiza Campos, líder de ASG da Abrasel, diz que esse resultado é positivo, uma vez que a maior parte do setor é formada por micro e pequenas empresas. Mesmo que a pandemia tenha sido um acelerador para essas práticas, com a necessidade de se buscar mais produtividade com menos recursos, algumas iniciativas têm despontado agora, como a gestão mais assertiva de resíduos. “É algo que ficou congelado na pandemia e agora está sendo retomado”, diz.
O estudo dividiu os assuntos referentes à economia circular em cinco grupos:
- Energia: uso sustentável e opção por fontes limpas e renováveis
- Água: uso sustentável
- Gestão: uso de tecnologias inovadoras e treinamentos de colaboradores
- Consumo de recursos: relações sustentáveis com fornecedores
- Recuperação de resíduos: combate ao desperdício e logística reversa com fins de reutilização ou reciclagem
Em ordem, as ações mais adotadas por pequenas empresas estão ligadas ao consumo de energia, recuperação de resíduos e consumo de recursos. Empresas enquadradas como MEI (faturamento anual de até R$ 81 mil) foram as que alcançaram a maior pontuação em quatro blocos (consumo de recursos, gestão, energia e resíduos).
De acordo com o estudo, a motivação do próprio gestor é o que faz as empresas adotarem práticas de economia circular. Confira abaixo os principais motores para ações sustentáveis em bares e restaurantes (os respondentes podiam escolher mais de uma opção):
- Motivação dos próprios empreendedores – 48%
- Influência exercida pelos clientes – 20%
- Exigências feitas por parceiros – 12%
- Fornecedores – 11%
- Investidores – 11%
“Imaginávamos que talvez pudesse ter mais peso a decisão do consumidor, dos próprios fornecedores ou até algum peso de legislação, mas é a sensibilização do próprio gestor em relação ao tema que faz acontecer. Isso traz uma necessidade cada vez mais forte de qualificar gestores para que eles enxerguem isso como algo importante”, diz Campos, da Abrasel.
O empreendedor Marcelo Andrade Soares, 44 anos, dono do restaurante Tia Zarica, em Belo Horizonte (MG), admite que a principal motivação para adotar o reuso da água da chuva, sua primeira ação de economia circular, em 2006, foi financeira, além da necessidade de se precaver quanto a uma possível crise hídrica. A boa repercussão, no entanto, o fez perceber que seria possível ampliar a atuação e ainda ter ganhos, tanto financeiros quanto de imagem.
Soares começou adotando água da chuva para limpar pisos, abastecer descargas e irrigar o jardim. Depois, passou a transformar o óleo usado em sabão para limpar o chão, e hoje tem usinas próprias de geração de energia fotovoltaica. “Nos tornamos autossuficientes em energia e começamos a substituir o gás, passando de um consumo diário de 17 kg para 7 kg”, conta.
Campos, da Abrasel, diz que o consumo de energia costuma ser um dos maiores gastos em bares e restaurantes, pois é um insumo utilizado em fornos, geladeiras, freezers, câmaras frias, entre outros aparelhos. Assim como Soares, do Tia Zarica, os estabelecimentos têm buscado por alternativas, que vão da energia solar à produção de biogás, por exemplo, a partir do uso de alimentos descartados.
Assim que abriu o Mezmiz – Cozinha Libanesa Descomplicada em Curitiba (PR) em 2020, a empreendedora Vaneska Berçani Rodrigues, 49 anos, já queria ter um impacto ambiental reduzido. Além da energia fotovoltaica e o do sistema de captação de água da chuva, as janelas amplas ajudam a aproveitar a luz natural ao máximo. “Os ganhos em redução de energia elétrica e consumo de água são imediatos”, diz.
A segunda prática mais adotada pelos empreendedores, de acordo com a pesquisa, foi a recuperação de resíduos, sobretudo de elementos orgânicos, como sobra de alimentos. Soares, do Tia Zarica, está testando uma pequena horta no local, aproveitando os resíduos do próprio restaurante, como cascas e folhas, para a adubação. “Para todas as soluções fizemos pesquisas e testes, começamos sempre com um pequeno projeto e verificamos a viabilidade de ampliação”, diz.
De acordo com o estudo, também há uma atenção crescente para plásticos, papel, vidro e alumínio. As ações identificadas passam pela revisão do cardápio, otimização de compras, melhoria na gestão do estoque e preparo. Isso tudo combinado a ações como compostagem e produção de biogás.
Rodrigues, do Mezmiz, diz que optou por não usar plástico e adotar apenas itens recicláveis, mesmo que a oferta não seja tão “amigável” com pequenos negócios. Ela construiu um espaço no restaurante dedicado a ser uma central de resíduos recicláveis, que são direcionados para catadores, e orgânicos. “Os orgânicos são destinados para uma empresa terceirizada de compostagem, o que diminui consideravelmente o lixo que enviamos para o aterro sanitário”, diz.
Visibilidade e produtividade estão entre os ganhos
Tanto Soares quanto Rodrigues acreditam que ser uma empresa sustentável ajuda tanto na redução da pegada deixada pelas marcas no mundo quanto na percepção que os consumidores têm dos negócios.
Caroline Nogueira, diretora-executiva da Premium Essencial Kitchen, uma empresa de alimentação empresarial, acrescenta que processos de economia circular ajudam a controlar melhor os gastos, uma vez que o processo é controlado, e a trabalhar com preços mais competitivos nos produtos. “Os consumidores estão cada vez mais atentos às práticas adotadas pelas empresas e tendem a optar por marcas que demonstrem comprometimento com valores éticos e responsáveis”, diz.
Com unidades em diversas cidades, a Premium Essencial Kitchen encabeça campanhas de conscientização em seus clientes, mostrando as ações tomadas no dia a dia, como o uso de composteiras, hortas, uso de energia limpa e biodigestor, que transforma lixo em gás. “Temos como meta reduzir em nossos restaurantes a emissão de gases causadores do efeito estufa e das mudanças climáticas no planeta”, diz.
Fornecedores e capacitação são desafios
Campos, da Abrasel, diz que os principais desafios para que o tema avance nas empresas são a qualificação das equipes e a identificação de fornecedores mais sustentáveis que atendam a cidades menores, com um custo mais acessível.
O estudo pontua que, embora várias indústrias de maior porte tenham iniciativas para os bares e restaurantes, a maioria ainda não possui escala ou está localizada longe dos estabelecimentos. O próprio comportamento de compra dos gestores de alimentação fora do lar, principalmente os de pequenos negócios, está pulverizado, inclusive com o crescimento do e-commerce, o que dificulta o relacionamento e a aplicação dessas iniciativas.