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Como o Brás se tornou um polo têxtil com impacto nacional

Fonte: Redação

Com cerca de 6 mil lojas de rua, a região do Brás, em São Paulo, é um polo de varejo têxtil reconhecido em todo o país – e até internacionalmente – , e completa 206 anos neste sábado (8/6). O local abriga milhares de empreendedores, de diversas nacionalidades diferentes, e muitos negócios familiares, que atravessam gerações. No entanto, também recebe novidades, como o estouro dos influenciadores dos “achadinhos”, e vem mostrando um potencial de versatilidade do mix.

“Lojistas mais antigos são os que têm negócios que passam de pai para filho, mas o Brás também vive de ondas. Começou com judeus, depois árabes, coreanos. Hoje temos uma onda chinesa”, diz o presidente da Associação de Lojistas do Brás (Alobrás), Fauze Yunes, que comanda o Dinho’s Jeans, negócio fundado pelos pais do empreendedor há exatos 50 anos.

Yunes estima que passem pelas ruas do bairro cerca de 150 mil a 200 mil pessoas por dia, gerando uma receita anual de R$ 26 bilhões. “Antigamente eram umas 300 mil pessoas, caiu bastante [desde a pandemia]”, afirma. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo diz não ter informações sobre a região.

Loja Dejelone, na região do Brás — Foto: Divulgação
Loja Dejelone, na região do Brás — Foto: Divulgação

De acordo com o livro lançado pela Alobrás em 2018, “Brás 200 anos” (Inbook Editora), o bairro foi fundado em 1818, quando o então povoado do Brás foi alçado à categoria de freguesia. O nome vem do empresário José Brás, que tinha uma chácara na região e construiu a primeira igreja matriz do bairro.

Com o tempo, o Brás se tornou reduto de italianos que imigraram para o país – vê-se pelos restaurantes que ainda prevalecem na região. Com os anos, também também passou a abrigar migrantes nordestinos que vinham para São Paulo em busca de trabalho.

Os primeiros fios do têxtil

De acordo com Roberto Kanter, professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brás tem atualmente as mesmas características que o bairro do Bom Retiro, também na região central de São Paulo, exibia há cerca de quatro ou cinco décadas. “Hoje, o Bom Retiro é um bairro predominantemente de imigrantes coreanos, tem pouquíssimos remanescentes de famílias judias [precursores nas confecções]. O Brás acabou sendo um ‘bairro de escape’ com a mudança de perfil do Bom Retiro”, explica.

Kanter acredita que a migração para o Brás tenha sido motivada pelo mesmo motivo de outras situações parecidas: melhores condições imobiliárias, com galpões grandes a preços atrativos.

Ele explica que os dois bairros – atualmente mais o Brás – cultivam uma tradição têxtil, com confecções que têm impacto na indústria nacional. “Tudo em São Paulo é grande, pela própria natureza. É uma referência para todo o país e até para fora do país”, diz.

O bairro atrai empreendedores de todo o país para abastecer seus negócios, bem como sacoleiras e consumidores individuais que buscam por ofertas. Esse último perfil tem crescido com mais velocidade, na percepção de Yunes. Hoje, na Dinho’s, a maior parte do volume de clientes é de pessoas físicas, embora o grosso do faturamento ainda venha do atacado.

A percepção ganha coro do comerciante Lauro Pimenta, 34 anos, que hoje comanda a rede Dejelone, que tem três lojas na região e foi fundada pelos pais do empreendedor em 1993, como um box em uma galeria. A família também é responsável pela marca Lu Pepper Jeans. “Minha vida praticamente inteira foi no Brás. Eu estudava em escolas no bairro e ia direto para a loja ficar com meus pais depois das aulas”, conta.

O empreendedor Lauro Pimenta frequenta o Brás desde a infância e hoje comanda a empresa da família — Foto: Acervo pessoal
O empreendedor Lauro Pimenta frequenta o Brás desde a infância e hoje comanda a empresa da família — Foto: Acervo pessoal

De acordo com ele, a região acaba atraindo muitos turistas que vão a São Paulo para feiras, eventos e festivais. A participação da vendedora Beatriz Reis, a Bia do Brás, no Big Brother Brasil também teria ajudado a trazer visibilidade para a região, diz. O bairro tem sido um dos destinos favoritos dos ‘influenciadores de “achadinhos”, assim como a ex-participante do reality.

Uma das últimas novidades da região que mais reverberou foi a loja viral Busca Busca, do empresário chinês Alex Ye. O comércio vende itens eletrônicos e de decoração, e passa longe da vocação têxtil da região, mas tem ajudado a diversificar o mix e atrair um novo público para o local. O método de divulgação da loja são as redes sociais, com uma linguagem parecida com a dos influenciadores dos “achadinhos”.

“O Brás tem uma versatilidade muito grande. Não tem mais a pecha de ‘atacado qualificado’, não agrega só as confecções, tem as lojas que recebem o consumidor e tem as novas categorias, como o Busca Busca. Sempre que parece que vai declinar, mas algo vem e levanta”, analisa Pimenta.

Digitalização ainda é desafio, e Shein incomoda

Jean Makdissi Junior, 47 anos, comanda a Intima Store, empresa fundada pelos pais do empreendedor na região do Brás em 1966. O negócio começou como uma confecção de calças, mas pivotou para peças íntimas na década de 1980, após a família ver a oportunidade.

Hoje são quatro lojas nas ruas do Brás, além do e-commerce, criado em 2005 – um dos primeiros da região –, poucos anos após a entrada de Makdissi Junior no negócio. Atualmente, o site corresponde a 30% das vendas da marca.

“Entendíamos que seria cada vez mais difícil para os lojistas de fora de São Paulo virem se abastecer na capital por causa do trânsito, insegurança ou mesmo as despesas. Assim, decidimos investir nessa forma de atendimento remota, entendemos que o e-commerce seria um caminho para isso”, afirma.

Kanter, da FGV, diz que o público-alvo da região do Brás ainda é pouco aderente às vendas digitais. “Tem muito do ‘tocar para ver’ no Brás. Por isso, culturalmente, modelos de muita tecnologia não têm muito impacto lá. O cliente novo vai lá para ver e escolher, negociar olho no olho”, diz.

A digitalização das vendas no varejo, acelerada durante a pandemia, tem feito com que menos pessoas transitem pelas ruas do bairro, de acordo com Yunes, da Alobrás. Alguns lojistas têm conseguido surfar nessa onda, mas outros viram a demanda escoar para marketplaces como a Shein.

Os lojistas, inclusive, celebraram a recente decisão do governo de taxar compras internacionais de até US$ 50, mas acreditam que a medida ainda é insuficiente. “Melhor que tenha alguma coisa do que nada, mas ainda é pouco”, diz Yunes, da Alobrás. A entidade é uma das signatárias de um documento que pedia a cobrança do imposto.

Brás 24 horas

Nas últimas duas décadas, o Brás passou a contar com a famosa Feira da Madrugada, que se inicia muito antes de as lojas tradicionais abrirem as portas, por volta da meia noite. A variedade de itens e os preços baixos atraem ônibus de turistas, que vêm de diversas partes do país.

O movimento começou na rua 25 de Março, no início dos anos 2000. No entanto, com o crescimento, a feira foi alocada para o Brás. Lá, mudou de local algumas vezes até a construção do shopping CDC – Feira da Madrugada, em 2022, com 5 mil pontos locáveis, dos quais 3 mil estão ocupados. O espaço também conta com um estacionamento para 2,4 mil carros, para receber os ônibus de turismo.

O shopping foi construído a partir de uma parceria público-privada, entre a Prefeitura de São Paulo e o consórcio Circuito de Compras. “Gera um fluxo médio de pessoas 15 a 20 mil pessoas e em torno de 5 mil empregos diretos e 25 mil indiretos”, afirma André Seibel, CEO da Feira da Madrugada.

Neste sábado, o shopping promove um evento para comemorar os 206 anos do Brás, em parceria com a organização não governamental Renassaince. O local será palco de um desfile de moda sustentável, terá bolo de aniversário de dois metros e o lançamento de uma bandeira para o bairro.

De acordo com Seibel, a rotina de público é variada no shopping. Às segundas, terças e quartas, os atacadistas são os que mais visitam o espaço. Já às sextas e sábados vêm os clientes de varejo. “É o paulistano que vem para fazer compras individuais. Nossos dias de maior público geralmente são segundas e sábados”, diz.

Apesar do volume expressivo de lojistas no local, a feirinha da madrugada informal ainda acontece nas ruas. A movimentação é alvo de reclamações dos lojistas e de fiscalizações da Prefeitura, que já reportou a apreensão de itens ilegais em diversas situações.

Reportagens recentes dão conta de dificuldades enfrentadas pelo shopping para conseguir se manter. Seibel diz que trabalha com uma meta de crescimento de 20% a 30% em número de lojistas por ano para o shopping, e que costuma realizar eventos, como o deste sábado, para atrair empreendedores, mas nem tudo depende apenas disso. “A rua [empreendedores informais] tem um viés de informalidade que o poder público precisa tratar. Fazemos eventos temporários para atrair essas pessoas, mas tem uma questão social”, diz.

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