Se você passou em uma farmácia nos últimos meses, deve ter percebido que, para além da venda de medicamentos e cosméticos, os exames laboratoriais passaram a fazer parte do portfólio. A inclusão, nesse caso, está ligada à mudança de uma norma sanitária. Mas não apenas – outros setores também têm apostado em agregar serviços que não fazem parte do core business para aumentar o faturamento e conquistar o consumidor, desde lojas de celular com seguro para o aparelho até varejistas de linha branca com oferta de garantia estendida.
Para Maurício Galhardo, sócio da plataforma de cursos para o comércio F360 Educa, muitas vezes, a própria equipe de vendas sabe do que o cliente precisa e gostaria de ter. “Isso pode se tornar a comercialização adicional de um novo item.”
Ainda assim, há um caminho a ser percorrido antes de adicionar algo na cartela de produtos e serviços. Calcular os custos corretos para não cair em prejuízo com a nova oferta e lidar com aspectos da legislação, como eventual alteração de contrato social, são apenas alguns dos pontos que devem ser observados.
Ter domínio, inclusive, das taxas e dos impostos que podem incidir nesse novo cenário se torna compulsório. “É imprescindível entender como a parte burocrática de documentação será impactada e o que mudará no funcionamento da empresa”, reforça Igor Meireles, sócio e responsável pelas áreas de consultoria tributária e BPO da Bernhoeft, empresa especializada em aconselhamento tributário, cálculos judiciais e gestão de riscos com terceiros.
Confira respostas para as dúvidas mais comuns de quem quer oferecer um serviço a mais para cair nas graças do cliente. De quebra, consultores ensinam o que observar para estar em conformidade com a legislação.
Como definir o que pode ser oferecido ao cliente?
Garantir conveniência ao consumidor é importante, mas, antes de tudo, é preciso pensar em associar serviços que façam sentido ao negócio. “É melhorar a experiência do cliente naquela venda inicial, ampliando a utilização do produto que já está sendo comprado”, diz Galhardo, da F360 Educa. Ele exemplifica com a venda de celular e de seguro: “O cliente está feliz com a aquisição. Mas, se no futuro apresentar defeito, terá a garantia de obter um novo aparelho”.
Muitas vezes, o empreendedor sabe o que pode ser oferecido. A própria entrega em domicílio é um serviço a ser agregado para geração de valor. Ou a capacitação sobre o produto adquirido. “Por isso existem tantos clubes de compras. Neles, a pessoa não está comprando só garrafas de vinho, por exemplo, mas também a curadoria, a explicação e a conveniência de receber os exemplares em casa.”
Vale fazer pesquisa de mercado?
Criar canais abertos com os clientes pode ser um bom caminho para entender o que mais eles gostariam de receber, além do que já é oferecido no estabelecimento. “A abertura para ouvir é a primeira pesquisa”, na avaliação de Galhardo. Um bate-papo informal entre empreendedor e consumidor tem potencial de ser muito valioso e bem mais econômico do que um estudo formal.
O especialista também recomenda opções mais estruturadas, como enquetes online. Ele lembra, no entanto, que muitas pessoas não gostam de disponibilizar seu tempo para preencher formulários ou fazer avaliações pela internet. “Todos os caminhos são válidos, até mesmo contratar uma consultoria especializada, promover rodas de conversa com os clientes e usar plataformas automatizadas.”
Como avaliar que tipo de adaptação será necessária?
É preciso envolver a equipe na elaboração do passo a passo para a realização da venda e em rotinas comerciais. “Quem está no dia a dia conhece o calor do varejo e tem propriedade para apoiar na construção dos materiais de capacitação”, diz Marina Borges, diretora da consultoria Mid by Falconi. Tirar dúvidas e reforçar a importância da ação para os resultados ficam a cargo de gerentes ou coordenadores.
Meireles, da Bernhoeft, afirma que, se a nova oferta estiver diretamente relacionada ao escopo atual da empresa, não é necessário mexer no CNAE, um código de identificação da atividade produtiva. O recomendado, no entanto, é consultar um contador e entender se e como isso afeta o empreendimento. “Os serviços podem ter uma alíquota maior em relação ao comércio”, alerta.
Quando não vale a pena?
“A entrada de um serviço adicional pode mudar a estrutura principal do negócio”, explica o sócio da F360 Educa. Há, inclusive, a possibilidade de ele ser mais consumido do que o produto original, provocando uma revolução interna.
Segundo Galhardo, vale preparar uma análise sobre a proposta de valor, a viabilidade financeira, o impacto em prazos e o alinhamento com a missão da empresa. Se a avaliação for positiva, mãos à obra.
Muitas vezes, no entanto, não é viável fazer as adaptações internamente, mas proporcionando-as por meio de um parceiro. “Vender seguro, por exemplo, vai exigir o trabalho de uma empresa especializada nesse segmento para criar uma proposta coerente e capacitar as equipes comerciais”, diz Galhardo.
Como precificar o novo serviço?
Talvez a pergunta mais importante nessa etapa seja sobre a necessidade de cobrança do serviço agregado. Avalie se o custo pode ser adicionado ao valor do produto, e como o cliente se sentirá ao pagar por isso.
No exemplo do frete, diz Galhardo, como muitas empresas oferecem sua gratuidade, seguir o fluxo do mercado pode ser o mais recomendado. No caso do clube de vinhos, por exemplo, estabelece-se um valor fixo mensal, que remunera garrafas, curadoria e frete, incluso já no valor total.
“Uma coisa é certa: precisamos agregar conveniência, inovação, facilidade, rapidez e segurança, pois o cliente compra valor, e não preço”, pontua. Se sua escolha for cobrar pelo serviço, deve-se analisar todos os custos para, então, aplicar a margem de lucro e formatar o preço, sempre lembrando de compará-lo com a concorrência.
Como não cair na venda casada?
A prática de condicionar a venda de um produto à aquisição de outro é o que se conhece por venda casada, uma atividade proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Há os casos mais transparentes dessa ilegalidade: quando, por exemplo, celular e seguro são vendidos no mesmo pacote, sem possibilidade de dissociá-los. Mas existem formas menos diretas, como quando o vendedor adiciona um item à compra sem a anuência do comprador.
Se não se atentar a isso, o empreendedor pode ter problemas – mais cedo ou mais tarde. O mais provável: uma ação na Justiça, movida pelo então cliente, o que pode resultar no desembolso de valores, entre multa e advogados. Outros podem ser ainda mais nocivos, como o caso cair em uma rede social e afastar mais consumidores. A compra do serviço deve ser opcional, portanto.
Como comunicar a novidade aos clientes?
O primeiro passo, diz Borges, da Mid by Falconi, é conhecer o consumidor. Isso permitirá saber a forma como ele quer ser comunicado e abordado sobre determinada ação promocional.
O segundo é pensar na elaboração de uma segmentação, procurando gerar mais valor para cada perfil e apresentando o serviço de maneira mais eficiente. “A forma de abordar um jovem pode ser diferente da forma de abordar uma pessoa mais velha”, exemplifica.
De todo modo, muitas vezes pode ser interessante considerar o omnichannel, integrando diferentes canais de venda e pontos de contato com o cliente. Mas comunique a novidade, seja com peças em redes sociais, seja com e-mail marketing, seja por mensagem de WhatsApp. E, claro, não se esqueça dos vendedores: eles são peças-chave na divulgação das mudanças na empresa.
O que muda no pós-venda com o novo serviço?
Exercer a escuta ativa é a estratégia mais barata – e muito eficiente – para saber de que forma o novo serviço está sendo recebido pela clientela.
Na rotina de um varejo, a interação com o cliente é constante. Por isso, perguntar, de forma leve e com abertura para todos os tipos de resposta, sobre a experiência depois da compra é uma das melhores ações a se fazer em um pós-venda.
“Há uma riqueza enorme de informações gratuitas e facilmente captadas no dia a dia”, afirma Borges. O importante, aconselha a especialista, é ter um processo em que se consiga coletar esses dados de forma organizada para analisá-los e, em cima disso, exercer novas ações.
Também é possível trabalhar com pesquisas quantitativas, interagindo por e-mail, SMS e totens. A taxa de resposta, contudo, costuma ser mais baixa, e o custo, mais elevado.
Esta matéria foi publicada originalmente na edição de dezembro da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios.