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Fonte: Redação

Ana Fontes diz que, quando começou a Rede Mulher Empreendedora (RME), o empreendedorismo feminino não era considerado um assunto a ser discutido. “Colocar esse tópico no mapa foi o nosso primeiro grande ganho. Em 2010, ouvia muito que o empreendedorismo feminino não era diferente, que empreender era igual para homens e mulheres”, diz a fundadora da organização. A Rede Mulher Empreendedora comemorou 15 anos de existência no dia 18 de janeiro — data em que Fontes criou o blog que deu origem ao ecossistema. De lá para cá, alcançou mais de 8,8 milhões de pessoas com suas ações.

Para Fontes um dos pontos mais importantes da atuação da rede, que foi iniciada despretensiosamente, como blog, foi estruturar pesquisas sobre o assunto. “São estudos que analisam desafios, o que as mulheres estão buscando e quais são as principais questões envolvidas. Não se muda nada sem informação e evidências”, diz. Para ela, com base em experiências e pesquisas nacionais e internacionais, foi possível entender que as mulheres têm motivações diferentes dos homens para empreender. “Isso nos permitiu diferenciar o que as motiva e, assim, pensar em estratégias e alternativas para apoiá-las.”

Hoje, com uma equipe de cerca de 50 colaboradores, 100 embaixadoras, 900 mentoras e 280 ONGs parceiras, a organização oferece capacitações, eventos, programas de aceleração, mentorias e conteúdos, entre outros. Anualmente, a RME publica um relatorio sobre empreendeorismo feminino. No ano passado, o 13º Festival RME reuniu 8 mil mulheres na São Paulo Expo.

“Queremos que mulheres tenham acesso a oportunidades e condições de vida dignas, e que não enfrentem barreiras por serem mulheres para criar grandes negócios”, diz Fontes.

Ao longo de sua história, a organização repassou mais de R$ 46,6 milhões de maneira direta para empreendedoras, Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que apoiam mulheres e professoras oferecem cursos e capacitações dentro da rede até 2024. “O dinheiro vai como crédito para as empreendedoras. Muitas delas não têm conta bancária, então damos um cartão para elas usarem como preferirem”, diz Fontes.

Nascida em Igreja Nova (AL), Fontes começou a empreender no final de 2008, com a plataforma de recomendações positivas ElogieAki. Em 2010, viu a notícia de um programa gratuito da Fundação Getulio Vargas (FGV), com duração de três meses, para as mulheres desenvolverem seus negócios. No primeiro dia de aula, no discurso de boas-vindas, as empreendedoras ouviram que eram 35 mulheres selecionadas entre mil. “Óbvio que eu fiquei muito feliz, mas ao mesmo tempo senti um incômodo, pensando nas pessoas que não foram aprovadas.”

Fontes criou o blog Rede Mulher Empreendedora para compartilhar aprendizados com aquelas mulheres que não tinham sido selecionadas. “A aula de marketing tinha uma linguagem complexa, e eu traduzia para a maneira como eu falava”, conta. Para temas que não dominava, recrutava colegas. “Depois de seis meses, chequei a ferramenta de seguidores e vi que havia 100 mil mulheres acompanhando, sendo que eu tinha mandado apenas para mil”, lembra.

A criação de um grupo no Facebook foi o segundo passo. “No blog, era difícil fazer uma conversa pelos comentários, e nem sempre dava para saber de qual conteúdo a mulher estava falando. O Facebook facilitou essa troca”, afirma. “Também usávamos a plataforma para marcar encontros. Na primeira vez que fiz isso, esperava 10 ou 15 mulheres, e chegaram 85.”

A necessidade de estruturar o empreendimento veio no terceiro ano, quando a rede passou a ser procurada por outras empresas. A primeira organização parceira foi o Sebrae, que ofereceu um auditório para os encontros, com a contrapartida de poder explicar o que era a instituição. Em seguida, o Itaú — o primeiro cliente pagante, em 2012 — entrou em contato com a rede para criar um programa. “Ajudamos a criar o Itaú Mulher Empreendedora, que existe até hoje”, afirma Fontes.

“Aos poucos fomos entendendo quais eram as necessidades das empresas e o que podíamos oferecer para nos profissionalizar”, diz Fontes. Ela fez contratações que ajudaram na gestão, mas tinha dificuldades de para sustentar a rede.

Fontes recusou sugestões de adotar um modelo de assinatura para não criar barreiras financeiras às empreendedoras, optando por buscar financiamento de grandes empresas. “A rede tinha fins lucrativos, com CNPJ ativo, e tinha causa de apoiar as mulheres”, afirma. No início, recorreu a mentorias e palestras. Após cinco anos, com maior reconhecimento, mais empresas passaram a procurá-la. “Toda vez que mostramos nos canais de comunicação que fechamos uma ação bacana, surgem mais empresas querendo fazer parte.”

Depois de sete anos, a empreendedora viu a necessidade de também criar um instituto sem fins lucrativos — o Instituto Rede Mulher Empreendedora. “Muitas vezes nós éramos procuradas por mulheres em vulnerabilidade, e não tínhamos o que oferecer. Eram mulheres negras, indígenas, trans, vítimas de violência”, afirma Fontes.

“Tive que aprender muito ao criar uma organização do terceiro setor, em relação às questões jurídicas e de transparência”, afirma. Em 2018, o instituto recebeu uma doação milionária do Google, o que deu uma grande visibilidade para a iniciativa. “Foi um impacto gigantesco ao nos dar credibilidade, e recebemos mensagens de outras organizações querendo ajudar o projeto.”

Fontes comemora o surgimento de organizações semelhantes. “É extremamente importante também, terem surgido redes como a RME, que é pioneira, para poder apoiar, lutar e trabalhar por essas mulheres para que elas consigam se movimentar e desenvolver seus negócios”, afirma.

“Antigamente, não se falava da diferença de empreender para homens e mulheres. O trabalho da rede em evidenciar a importância do empreendedorismo feminino e as necessidades específicas dessas mulheres foi muito importante para colocá-las no mapa. Esse reconhecimento é essencial para impulsionar mudanças reais e efetivas.

Apesar dos avanços, Fontes ainda enxerga muito trabalho pra frente: um dos planos da rede é atuar na implementação de políticas públicas. “Hoje geramos pesquisas, como o estudo “Empreendedoras e Seus Negócios”, que mandamos para todas as instâncias de governo — municipal, estadual e federal. Fazemos um trabalho em conjunto para criar políticas com base naqueles dados”, diz Fontes.

Segundo a empreendedora, os relatórios ajudaram a compreender que o empreendedorismo feminino tem várias faces, desafios e modelos. “É diferente empreender em São Paulo e no interior do Nordeste, por exemplo. Embora existam questões comuns, há desafios específicos para cada contexto. Além disso, há realidades diversas dentro do próprio empreendedorismo feminino: mulheres negras, trans, moradoras de comunidades, quilombolas, indígenas — cada uma com suas particularidades.”

Fontes afirma que um dos planos atuais da rede é apoiar mais o crescimento das empresas. “Hoje temos um trabalho muito forte em mulheres que querem empreender e são donas de pequenos negócios, mas queremos levá-las para outro patamar. Quando você olha dados gerais de empreendedorismo, especialmente de altíssimo impacto, as mulheres estão em menor número. Queremos que as mulheres que querem crescer consigam e sejam protagonistas, contando que são unicórnios”, diz.

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