A rede de cafeterias Casa do Pão de Queijo entrou com um pedido de recuperação judicial na última sexta-feira (28/6), com dívidas estimadas em R$ 57,5 milhões. O processo — protolocado na Vara de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem da 4ª Região Administrativa Judiciária, do Tribunal de Justiça de São Paulo — diz respeito a 28 lojas próprias da marca, localizadas em aeroportos. Dessas, seis já fecharam, mas mantêm dívidas ativas. A marca diz que seus resultados tinham sido fortemente impactados pela pandemia de covid-19 e têm sofrido também com o cenário macroeconômico e as enchentes no Rio Grande do Sul.
O pedido de RJ não inclui as 170 franquias existentes da Casa do Pão de Queijo, mas o processo menciona que as franqueadas também sofreram os impactos da crise sanitária e muitas foram obrigadas a fechar as portas, o que impactou as vendas gerais da empresa.
A rede, fundada em 1967, iniciou a expansão por franquias ainda nos primeiros anos de existência. O atual presidente, Alberto Carneiro Neto, assumiu o posto em 1987. Foi no mesmo ano que a logo da empresa passou a ser a imagem de Dona Arthêmia, criadora da receita que fez a marca famosa.
A marca diz no texto do processo que a pandemia obrigou a “a suspensão de atividades por razões sanitárias com a consequente perda de produtos, sem uma contrapartida suficiente em termos de aluguéis de lojas, pagamento de funcionários e contratos com fornecedores.”
De acordo com a marca, os três primeiros meses da crise sanitária trouxeram uma queda de 97% no faturamento geral. Em 2020, como um todo, a queda foi de 50%. “Com o fechamento dos aeroportos por várias semanas devido às medidas de contenção da pandemia, a retomada das operações foi extremamente lenta e complicada pelos novos procedimentos sanitários rigorosos”, diz o processo.
Franquias:
A empresa ainda cita “um cenário macroeconômico pouco favorável, em especial com os juros altos que afetaram não apenas a companhia, mas também vários setores da economia”. Outro ponto é a tragédia climática no Rio Grande do Sul: a Casa do Pão de Queijo tem quatro lojas no Aeroporto Internacional Salgado Filho, que está fechado desde o começo de maio.
A maior parte da dívida (R$ 55,8 milhões) é referente aos chamados credores quirografários, seguido por credores enquadrados como microempresa e empresas de pequeno porte (R$ 1,3 mi) e credores trabalhistas (R$ 244,3 mil).
“As operações da companhia devem continuar normalmente na fábrica, nas lojas próprias e nas franquias, que, inclusive, devem abrir novos pontos de venda. Também estão previstos lançamentos de produtos no final do ano, como de costume”, diz a empresa, em comunicado enviado à imprensa.
O que é recuperação judicial?
O processo de recuperação judicial consiste em um pedido de proteção jurídica contra credores, para evitar a falência do negócio. A medida foi regulamentada pela lei 11.101/05, promulgada em fevereiro de 2005, e atualizada em dezembro de 2020, por meio da nova Lei de Recuperação e Falência, a Lei 14.112/20.
Se a empresa tiver o pedido acatado pela Justiça, fica blindada de cobranças de credores, que incluem bancos, fornecedores, funcionários e investidores, entre outros, por 180 dias. Para isso, em até dois meses, deve apresentar um plano de recuperação judicial, explicando como pretende sair da crise. O documento pode ou não ser aprovado pelos credores.
De acordo com o advogado Leonardo Roesler, da RMS Advogados, o plano deve ser adotado imediatamente, se for aprovado, e deve conter as medidas que a empresa pretende colocar em prática. “As ações podem ser alteração de prazos e condições de pagamento, venda de ativos, captação de novos investimentos e reorganização societária, por exemplo”.
O recurso foi utilizado nos últimos anos por vároas redes varejistas brasileiras, como Americanas, SouthRock (gestora da Starbucks no Brasil), Dia e Polishop. No ano passado, foram realizados 1,4 mil pedidos de recuperação judicial, de acordo com o balanço da Serasa Experian, um crescimento de 68,7% em relação a 2022, e a maior quantidade de processos desde 2005.
Transformações do mercado podem ter pesado
De acordo com a advogada especializada em franquias Thais Kurita, sócia da Novoa Prado & Kurita Advogados, muitas marcas ainda vivem uma espécia de “rescaldo” da pandemia, com dificuldades para pagar créditos que foram obtidos na ocasião para manter os negócios funcionando. “O preço alto da pandemia está sendo cobrado agora”, diz.
No entanto, a crise da Casa do Pão de Queijo também pode ser resultado de sucessivas mudanças no mercado de cafeterias e de alimentação, que não teriam sido acompanhadas. “Se a marca não consegue se atualizar na velocidade que precisa, acaba ganhando concorrentes que nem imaginava, e fica no limbo”, afirma.
O segmento de cafeterias passou por intensas transformações ao longo dos últimos anos, com a aposta em gourmetização dos grãos, lojas instagramáveis e a ascensão (e replicação) do formato do Starbucks, com cafés to go e proposta de ser um local para reuniões, por exemplo.
De acordo com Kurita, o perfil do consumidor muda o tempo todo, e mesmo que a marca seja consolidada, é preciso acompanhar isso. “É um passo muito difícil aceitar que todo mundo envelhece, inclusive marcas, e que talvez tenha que trazer coisas novas para oxigenar. O ‘eu sempre fiz assim e deu certo’ é muito perigoso”, comenta.