As ruas dos principais circuitos do Carnaval de Salvador ficam tomadas por foliões vestidos com as camisas dos seus blocos e camarotes. A vestimenta, popularmente conhecida como abadá, já virou tradição na folia e se tornou um impulsionador do faturamento de empresas que produzem e customizam a peça na capital baiana. O período é considerado um dos mais importantes para o comércio. A expectativa para este ano é que a festa deve movimentar R$ 1,8 bilhão na economia da cidade, o que corresponde a um aumento de 63% em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Observatório do Turismo da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult).
Já no cenário nacional, a projeção é que o carnaval deste ano seja o mais lucrativo desde 2015, com um faturamento de R$ 12 bilhões em todo o país. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o montante representa uma alta de 2,1% em relação ao mesmo período de 2024.
Diante do potencial do Carnaval para o negócio, o diretor comercial da Camisa da Latinha – empresa fundada há quase 29 anos em Salvador –, João Neto, ressalta que os abadás são o carro-chefe do negócio. Ele chega a produzir entre 8 mil e 10 mil peças por dia durante a folia, e explica que a maior movimentação na produção acaba sendo impactada positivamente por causa do alto volume de festividades na capital baiana.
“A produção se intensifica bastante. Chegamos a triplicar a nossa produção, por conta da demanda que é muito grande. A demanda de carnaval é uma coisa fora do normal. E ainda produzimos coletes, camisetas, bandanas, bonés. Atendemos grandes empresas que encomendam brindes para distribuir no Carnaval, por exemplo”, frisa.
Além das encomendas na capital baiana, o diretor destaca que atende diversas cidades do país, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo ele, o aumento das vendas representa um aumento de 40% do faturamento da empresa, considerando um período de dois a três meses. Contudo, o diretor explica que para alcançar esse número é feito um investimento em campanhas de marketing, na compra de material e contratação de profissionais temporários para reforçar a equipe, totalizando pouco mais de 90 funcionários nesse período.
“Nós contratamos bastante gente, normalmente mais ou menos em torno de 30% do nosso efetivo. Esse pessoal vai para os setores de qualidade, produção, costura, acabamento e estamparia”, pontua ele, relatando que o horário de trabalho também é ampliado para não comprometer a produção e prazo das entregas dos pedidos.
O abadá produzido pela empresa passou por uma reformulação há dois anos. Atualmente, as peças são produzidas com tecido tecnológico que proporciona conforto aos foliões e até proteção dos raios solares. As camisas custam entre R$ 15 e R$ 25. “Ele é todo cortado no laser, para que todos os abadás saiam exatamente dentro da modelagem”, diz.
Já a diretora de operações da Camisa da Latinha, Nicole Cairo, explica que, além da preocupação com a qualidade das peças, a empresa tem optado por opções mais sustentáveis de produção, buscando a redução de impactos ao meio ambiente. Ela explica que as sobras de tecidos são reaproveitadas para a confecção de embalagens dos produtos e grande parte do material também é doado para instituições da capital baiana.
“Nossa empresa adota diversas práticas alinhadas com os princípios ESG, como upcycling e reciclagem de resíduos sólidos, reduzindo o desperdício de retalhos e papéis sublimáticos, uso de energia solar, e utilização de tintas à base de água e captação de chuva para reaproveitamento de água”, reitera.
Abadás sustentáveis
A redução de impactos ao meio ambiente também é um dos princípios da Loygus, empresa criada em 1995 na capital baiana, que desenvolve abadás e confecções sustentáveis e tecnológicas. Com a proposta de gerar menos resíduo têxtil, o sócio-fundador Loyola Neto explica que a empresa tem focado na experiência do cliente a partir da oferta de um produto com mais qualidade tendo em vista o futuro das próximas gerações. De acordo com ele, o processo começa pela escolha do tecido mais durável e menos poluente. A ideia é que o abadá possa ser aproveitado em outras ocasiões além do uso no Carnaval. As camisas custam em média R$ 18.
“Por que não usar um tecido tecnológico? Por que não usar algum tipo de impressão, que o cliente diga: ‘Vou usar essa camisa no meu dia a dia’. Não seria muito melhor? A inovação e a economia circular são questões essenciais que temos antes de produzir as peças. E tem nicho para isso. Trabalhamos com clientes que, de fato, querem um produto melhor. Que querem fazer diferente. Então, esse é o caminho que a Loygus está seguindo”, conta.
A mudança também veio acompanhada de uma série de investimentos voltados para a compra de máquinas especializadas e capacitação da equipe. “Tive que fazer a mudança também de maquinário. Não foi só de pessoas. Eu tive que, além de capacitar as pessoas, melhorar os processos.”

Para o Carnaval deste ano, ele prevê um aumento de 30% do faturamento em comparação ao ano passado. Em termos de produção, a projeção representa a venda de cerca de 30 mil peças. “O Carnaval é muito bom para a empresa, mas ainda é como se estivéssemos em uma retomada após os impactos econômicos da pandemia”, relata.
Neste ano, a Loygus produziu os abadás do Habeas Copos, festa que antecede a programação do Carnaval de Salvador. Além disso, a empresa iniciou uma parceria com o tradicional bloco afro Ilê Aiyê, com a criação do selo de autenticidade das fantasias.
O sócio-fundador da Loygus ainda afirma que as escolhas sustentáveis da empresa foram aprimoradas durante as dificuldades sentidas durante a pandemia de Covid-19. O negócio precisou se reinventar devido à suspensão dos grandes eventos culturais e de entretenimento em todo o mundo. Diante da gravidade da questão sanitária, o Carnaval foi suspenso nos anos de 2021 e 2022. Nesse período, ele criou a startup Ecoloy, que transforma resíduos têxteis em novos produtos, como ecobags.
Customização diferenciada
A produtora de moda Lai Gomes resolveu unir o amor pela folia à oportunidade de investir em seu próprio negócio, o Abadá de Luxo. Com um olhar atento e criativo, ela viu a possibilidade de usar seus talentos com trabalhos manuais na customização dos abadás a partir da sua vivência como foliã. “Sempre fui uma pessoa extremamente curiosa e ligada aos artesanatos. Então, eu comecei a customizar para mim, pois sempre gostei muito de pular Carnaval”, relembra.
Para as customizações das peças, a empreendedora explica que buscava opções mais elaboradas com os recursos disponíveis em casa, como fitas e aplicações. Foi assim que a perspectiva de negócio começou a dar seus primeiros indícios, mesmo sem ainda imaginar a proporção que a ideia teria no futuro. Durante o curso de Moda, em 2009, Gomes idealizou uma coleção transformando abadás em roupas convencionais com foco na sustentabilidade. “Digamos que esse foi o primeiro contato com a possibilidade de produto que apresento hoje”, diz.
Nesse período, a baiana começou a fazer customizações nas festas da capital baiana de forma autônoma, enquanto atuava como gerente de uma loja de multimarcas. No estabelecimento, ela passou a questionar o que poderia ser feito com as sobras de tecidos sofisticados, que seriam descartados no lixo. “Comecei a ver esse material como uma outra possibilidade de ser incluído no abadá para dar uma cara diferente do que eu já estava acostumada a ver. Esse material não era reaproveitado e eu pedia para eles para fazer as customizações”, relata.
A partir dessa nova percepção, ela passou a idealizar peças com aplicações mais elaboradas, com rendas, brilhos e pedrarias. Não demorou muito para o diferencial das customizações chamarem a atenção de outras pessoas. No entanto, a empreendedora relata que começou a compartilhar seus trabalhos de forma tímida e foi alcançando mais seguidores após uma parceria com uma blogueira na época. O perfil próprio da empresa nas redes sociais só foi feito após a insistência de uma amiga em janeiro de 2016, depois de três anos empreendendo no Abadá de Luxo.
Quanto ao investimento inicial, Gomes destaca que foi o mínimo possível, já que ela aproveitava materiais que tinha em casa e retalhos de tecido. “Eu tinha criatividade, mas não tinha verba. Então, foi a partir disso, reaproveitando, e eu comecei a empreender com os materiais que já tinha de bijuteria”, conta.

Com o passar dos anos e fortalecimento do negócio, a empreendedora conseguiu alcançar os clientes com o atendimento em domicílio e peças sob encomenda como uma espécie de “delivery de customização”.
Apesar da sua mudança para São Paulo, Gomes retorna antes do Carnaval para a capital baiana para produzir suas customizações. Inclusive, esse é o terceiro ano em que a empreendedora abre um espaço físico para atender a clientela e vender seus produtos, além de gerar emprego para outras 18 pessoas da sua equipe durante o período. Para abrir a loja neste ano, ela conta que investiu cerca de R$ 30 mil.
Mesmo com a loja física localizada no Rio Vermelho, em Salvador, Gomes enfatiza que segue com a modalidade de entrega via delivery, considerando a comodidade para os clientes. “Hoje em dia, eu consigo ter os dois serviços tanto para cliente que quer chegar e customizar o abadá na hora, ou para quem que quer a comodidade e a segurança de não precisar sair de casa com o abadá”, explica.
Quanto ao estilo da customização, ela diz que a marca oferece opções mais rápidas e básicas, que podem ser entregues em poucas horas, além de peças mais elaboradas, que levam entre 24 e 48 horas para serem finalizadas. A partir disso, a precificação do serviço é feita com base nos modelos, que podem custar a partir de R$ 120. “O valor do abadá varia de acordo com o modelo escolhido pelo cliente e com o material que será utilizado. Isso porque ela pode acrescentar mais adereços.”
O espaço do Abadá de Luxo, que foi inaugurado na última segunda-feira (24/2), ainda reúne outros serviços, como maquiagem e venda de acessórios. A empreendedora conta que a novidade deste ano tem a ver com o desejo de manter parcerias e potencializar outros empreendedores locais. Sem abrir a expectativa para faturamento, a empreendedora diz que deseja aumentar a produção do último Carnaval, que chegou a 3 mil trabalhos ao longo do período de festas.