No contexto de um relacionamento abusivo, marcado pela violência doméstica, Lohrany Martins, de 29 anos, descobriu na arte de fazer doces uma maneira de alcançar a autonomia financeira e deixar para trás os ciclos de abusos. Em 2017, ela criou seu próprio negócio em sua residência, e passou a produzir bolos por encomenda. Atualmente, ela é proprietária da KML Confeitaria, uma rede que tem duas escolas de confeitaria, uma na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, e outra em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Martins, nascida e criada na Comunidade da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, conta que carrega lembranças marcantes de sua infância. Uma que se destaca é a de sua avó, que era dedicada à produção artesanal de doces e bolos muito procurados pela comunidade.
Inspirada por essas memórias, a empreendedora decidiu aplicar os ensinamentos e usar a confeitaria como uma ferramenta de empoderamento e independência, buscando superar um relacionamento abusivo e garantir um futuro melhor para si mesma e para seus três filhos. Com poucos recursos financeiros, a carioca usou os próprios eletrodomésticos e insumos para a confecção dos primeiros pedidos.
Com apenas cinco meses produzindo bolos sob encomenda em sua própria cozinha, a empreendedora conseguiu pagar o aluguel e as contas básicas sem depender do ex-marido. Posteriormente, expandiu suas atividades, ministrando aulas de confeitaria em uma ONG no Complexo da Maré, onde se tornou professora de cinco turmas, atendendo cerca de 100 alunos.
“Essa experiência me encorajou a dar mais aulas pela comunidade ao redor. Passei a ser professora em Campo Grande, São João de Meriti e Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, conta Martins.
Após dois anos de experiência em produção de bolos por encomenda e ministrando aulas de confeitaria para instituições, Martins deu um passo decisivo: fundou a KML Confeitaria, sua própria escola de confeitaria, na Ilha do Governador, entre o final de 2019 e início de 2020. Com a ajuda de uma aluna, Martins conseguiu levantar R$ 8 mil para dar início à nova empreitada.
“Meu objetivo é ajudar mulheres e mães solteiras que sofreram violência doméstica, oferecendo alternativas financeiras sustentáveis. Nossa metodologia inclui aulas práticas e acessíveis, entre R$ 150 a R$ 200 por mês. As alunas aprendem habilidades para produzir doces e bolos, gerando renda por meio da venda dos produtos feitos em sala”, diz.
Em 2024, a KML Confeitaria comemora cinco anos de atuação, com mais de 5 mil alunas que se transformaram em empreendedoras na área de confeitaria. “Além disso, oferecemos oportunidades de emprego e desenvolvimento profissional, convidando ex-alunas talentosas para integrar nossa equipe como professoras ou assistentes”, diz. Hoje, Martins deixou a produção de bolos por encomenda e atua apenas na gestão da escola de confeitaria. Segundo a empreendedora, o faturamento mensal é de R$ 15 mil.
Apesar do sucesso atual, a empreendedora lembra ter enfrentado grandes desafios para fundar a escola de confeitaria. “No início, mesmo trabalhando com encomendas de bolos e dando aulas, eu não me enxergava como empreendedora. Na minha cabeça, pelo fato de eu ter vindo da favela, o meu negócio era apenas para eu conseguir comer e me manter viva. As pessoas também não acreditavam em mim, justamente por ser mãe jovem e sozinha. Além de, claro, ser uma mulher negra e periférica. Ninguém me dava credibilidade, isso só veio acontecer depois”, afirma.
Para 2025, Martins espera abrir mais uma unidade da escola na cidade de Niterói (RJ). Além disso, também está nos planos ampliar a KML Confeitaria para o sistema de franquias até o final do próximo ano.