O café caro continua pesando no bolso dos brasileiros. Segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última sexta-feira (11/4), o preço do café moído acumula alta de 77,78% nos 12 meses até março. Somente em 2025, o aumento já chega a 30%, com avanço de 8% apenas entre fevereiro e março. A escalada dos preços já afeta diretamente os empreendedores, que têm sido obrigados a se adaptar à nova realidade.
“O mais importante é entender que, em momentos de alta de insumos como o café, o empreendedor precisa agir com estratégia e não no desespero”, explica Henrique de Castro, professor associado da Fundação Dom Cabral, que sugere que ser transparente com os clientes e buscar mais eficiência na operação são algumas das formas de lidar com esse aumento (veja no final da matéria as dicas completas).
Clara Pellegrino, que comanda a Café Café, cafeteria localizada em São Bernardo do Campo (SP), identificou os gargalos da operação para reduzir custos sem precisar repassar o aumento ao consumidor. “Fizemos uma revisão logística para otimizar nossas compras, buscando reduzir deslocamentos, centralizar fornecedores e comprar mais itens de um mesmo lugar. Isso nos ajudou a minimizar gastos paralelos, como combustível e estacionamento, que muitas vezes não são contabilizados com precisão”, relata a empreendedora, que também ficou mais atenta para reduzir o desperdício de doces produzidos internamente ou de itens comprados de terceiros.
No caso do café, ela diz que não há margem para enxugar a operação — tudo é feito com precisão em peso e medida, sem desperdício de grãos. O preço da xícara teve um aumento de R$ 1. “Ninguém reclamou. Acho que, como o tema está muito presente no debate político e econômico do país, as pessoas já estão mais preparadas para essa realidade”, afirma.
Ainda assim, ela percebe uma redução discreta no movimento. “No ano passado, eu observava um crescimento, mas de lá pra cá o fluxo se estabilizou e depois caiu. Tenho fechado cada mês bem apertado”, afirma. No momento, ela está focada em estruturar seu negócio para que as contas se paguem.
“No futuro, talvez eu direcione mais atenção para a torrefação, que é um caminho comum para quem trabalha com café especial: torrar o próprio café.”
A alta do preço do café está relacionada à questão climática, explica Diogo Carneiro, professor e consultor na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). “O café é sensível a temperaturas altas e precisa de uma irrigação adequada. Na medida em que a gente tem um clima mais seco e a temperatura mais alta, isso causa um estresse terrível na planta, que tende a ter uma produtividade muito mais baixa”, afirma o docente, que destaca que a queda da safra ocorreu não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, como no Vietnã, no Sudeste Asiático.
O efeito é o aumento da demanda global, com diminuição dos estoques e o consequente aumento dos preços. “O mundo não para de tomar café. A população vem crescendo e o apetite pela bebida permanece em alta, inclusive com uma crescente.”
Vanessa Vilela, fundadora da Kapeh, negócio que combina cafeterias com loja de cosméticos feitos de café, sentiu o aperto nas duas pontas. A empreendedora tem uma fazenda de plantação de café e percebeu uma queda de 20% em sua safra.
A solução, ela conta, foi elevar o preço de seus produtos. O pacote teve um aumento de 30%, as bebidas prontas da cafeteira de 10% a 15%, e os cosméticos em 10%. “Ainda assim tivemos uma perda na nossa margem porque não conseguimos repassar todo o valor”, afirma a empreendedora, que não descarta a possibilidade de mais um reajuste na próxima safra.
Ela investiu em uma comunicação transparente focada nos franqueados da marca, com direcionamentos para que eles explicassem o motivo da alta para o consumidor. “Nossos franqueados têm um contato mais próximo com o cliente final, e podem explicar o contexto do cenário macroeconômico. Mas os clientes sabem disso porque eles veem esse aumento na gôndola do supermercado no dia a dia.”
Assim como no caso de Pellegrino, da Café Café, os clientes da Kapeh entenderam o aumento, de acordo com Vilela. “Não mexemos em nada na qualidade ou no cardápio. Mas há uma saia justa porque fizemos um reajuste no começo do ano, e de lá pra cá subiu mais um tanto. Estamos aguardando como esse preço ficará na nova safra para entender como trabalharemos daqui pra frente”, afirma.
O aumento do preço não provocou uma queda nas vendas. “O cenário é desafiador, mas o café continua em alta”, afirma. Em sua visão, isso também está relacionado à percepção de valor em sua marca.
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Ainda não é possível esperar uma queda do preço do café para os próximos meses, diz Lucas Dezordi, economista, doutor em Desenvolvimento Econômico e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). “Ainda vai demorar para restabelecer as condições de oferta e demanda, especialmente devido a capacidade produtiva”, diz o docente, acrescentando que seria necessário uma chuva mais regular, principalmente nas lavouras brasileiras das regiões Centro-Oeste e Sudeste, incluindo Minas Gerais e outras áreas produtoras de café.
“Talvez uma queda aconteça apenas em 2026 ou 2027. Em 2025, não acredito que haverá redução significativa.”
Na rede de franquias Mr. Black Café, o preço do insumo levou um tempo para subir. “Conseguimos segurar o preço com o fornecedor por um bom tempo, porque tínhamos um volume já travado com ele desde o início do ano passado. Mas, por volta de outubro, isso começou a se tornar insustentável. A pressão por parte do fornecedor aumentou bastante, e tivemos que adaptar o valor ao novo preço de mercado”, diz Cristian Soares Figueiredo, CEO da empresa.
Uma das estratégias que ele havia adoatado era o controle do rendimento do café.
“Como é um item que moemos na loja e usamos bastante, realizamos testes frequentes. Muitas vezes, utilizamos uma gramatura um pouco maior para gerar mais cremosidade. Mas, ao reduzir levemente essa gramatura, a diferença não é tão perceptível”, afirma. A empresa passou a medir melhor a regulagem do café, buscando um equilíbrio entre sabor e rendimento, evitando desperdício na extração.
Ainda assim, o café espresso teve dois aumentos em pouco mais de seis meses. “Não houve reclamações. Acho que os clientes já estavam informados sobre o reajuste no preço.”
O empreendedor pretende abrir mais 10 unidades do negócio. “Cafeteria é um mercado considerado à prova de crise, porque envolve consumo essencial. Primeiro, é alimentação. Segundo, não é um valor proibitivo. As pessoas conseguem fazer um lanche ou um programa numa cafeteria, independentemente da situação financeira do país ou de um momento mais desafiador”, afirma.
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6 dicas para adaptar seu negócio ao aumento do preço do café
Henrique de Castro, professor associado da Fundação Dom Cabral, diz que existem saídas inteligentes para manter a saúde do negócio sem comprometer a qualidade ou a relação com o cliente. Veja abaixo:
- Controle o uso do café: padronize as doses e evite desperdícios. Trabalhar com peso parametrizado e garantir maior acuracidade na quantidade utilizada facilita não só a padronização do produto final para quem degusta, mas também capacita e treina a equipe para evitar esse desperdício;
- Busque ganhos de eficiência operacional e otimize processos: ajuste o estoque com mais precisão, renegocie contratos com fornecedores e acompanhe de perto os indicadores de lucratividade;
- Estabeleça parcerias diretas com pequenos produtores: identifique se a sua região tem oferta de café — ou mesmo cooperativas e entidades que não estão diretamente ligadas a traders ou vendedores B2B. Isso reduz custos eliminando intermediários na cadeia;
- Invista na percepção de valor e na experiência: isso ajuda a agregar valor ao produto sem necessariamente entrar em uma briga por preço. Oferecer uma experiência com maior valor percebido permite remunerar melhor o produto, de forma que o cliente aceite uma eventual mudança de preço. Isso envolve também o ambiente, o atendimento, a apresentação e até mesmo a forma como a história é contada — o famoso storytelling;
- Seja transparente na comunicação com o cliente: explique de forma honesta que os custos estão subindo, mas que o cuidado com a qualidade e com o atendimento seguem inalterados —mesmo que isso, às vezes, implique em algum investimento;
- Acompanhe os indicadores econômicos: safra, movimentos internacionais, exportações — qualquer elemento que ajude a decidir sobre uma compra ou negociação com antecedência deve estar no radar do empreendedor.