BNDES libera 10% do crédito disponível para empresas afetadas pelo tarifaço em um mês

Fonte: Redação

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou um pouco mais de 10% do volume de recursos disponíveis para socorrer empresas afetadas pelo tarifaço dos Estados Unidos no primeiro mês da operação da linha de crédito. Foram R$ 4,952 bilhões em empréstimos aprovados, de uma oferta total de R$ 40 bilhões, segundo os dados do BNDES, antecipados ao GLOBO.

Parte dos setores afetados pelo aumento da tarifa de importação imposta pela gestão de Donald Trump reclamam, no entanto, de dificuldade de acesso ao crédito, sobretudo porque o Congresso ainda não aprovou o projeto que concede garantias da União aos contratos. As principais fichas do setor produtivo estão agora na reaproximação dos governos brasileiro e americano, sobretudo na reunião marcada entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no domingo, na Malásia.

A sobretaxa de 50% sobre uma parcela dos produtos brasileiros enviados aos EUA começou a valer no dia 6 de agosto. Já a operação da linha de crédito, uma das principais iniciativas do pacote do governo federal para amenizar os efeitos ao setor exportador, começou no dia 18 de setembro.

De lá para cá, foram 357 operações aprovadas, de um total de 448 pedidos, que somaram R$ 7,9 bilhões — ou seja, 63% do valor requisitado foi liberado para os exportadores. O restante ainda está em análise, de acordo com o BNDES.

Indústria da transformação lidera

Segundo o banco público, o tempo entre análise e aprovação de projetos na linha de crédito emergencial é menor do que os 60 dias usuais na instituição. O BNDES ainda destaca que as instituições financeiras parceiras estimam que o potencial de demanda de crédito é de R$ 14,5 bilhões.

— A determinação do presidente Lula é preservar os empregos e fomentar o desenvolvimento de novos mercados para as exportações prejudicadas — diz o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.

O governo liberou R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) para a linha de crédito e o BNDES acrescentou mais R$ 10 bilhões de recursos próprios. São elegíveis as empresas que comprovarem que ao menos 5% do faturamento bruto total vem das exportações aos EUA.

No recorte por setor da economia, a grande maioria dos valores emprestados foi para a indústria de transformação (R$ 4,18 bilhões). A agropecuária obteve R$ 336 milhões, enquanto o segmento de comércio e serviços conseguiu R$ 308 milhões. Para a indústria extrativa, foram R$ 127 milhões.

Já em relação ao porte das empresas, 38,2% dos valores liberados atenderam micro, pequenas e médias empresas e 61,8% foram destinados a grandes empresas.

Os dez estados com maiores valores aprovados:

  • SP – R$ 1,115 bilhão
  • RS – R$ 800 milhões
  • PR – R$ 658 milhões
  • SC – R$ 553 milhões
  • GO – R$ 330 milhões
  • MG – R$ 298 milhões
  • ES – R$ 291 milhões
  • CE – R$ 178 milhões
  • PA – R$ 137 milhões
  • BA – R$ 100 milhões

Nas contas do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, 35,9% das exportações brasileiras aos EUA foram afetadas pelo tarifaço. Setores com grandes volumes de embarques foram prejudicados, como o de café, carnes e pescados.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca), Eduardo Lobo, afirmou que um volume muito pequeno de empresas ligadas à entidade conseguiu acesso ao crédito previsto no pacote de socorro, porque faltam garantias aos exportadores atingidos.

A oferta do crédito para as empresas afetadas pelo tarifaço foi possibilitada por uma MP, que está em tramitação no Congresso. O amplo acesso, contudo, especialmente de empresas menores, só será possível com a aprovação de uma lei complementar que prevê recursos de fundos garantidores para apoiar as operações.

Estão previstos aportes adicionais de R$ 1,5 bilhão no Fundo Garantidor do Comércio Exterior (FGCE), de R$ 2 bilhões no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), do BNDES, e de R$ 1 bilhão no Fundo de Garantia de Operações (FGO).

— Sem garantias, virou uma operação de crédito normal. A linha de crédito não consegue atender o objetivo. Os bancos parceiros estão exigindo contrapartidas absurdas — afirma Eduardo Lobo.

A Cais do Atlântico é uma das associadas que ainda não conseguiu acesso ao empréstimo. Jean Gonçalves, sócio-diretor da empresa de Santa Catarina, explica que buscou o crédito em oito instituições financeiras diferentes, já que não tem acesso direto ao BNDES, mas afirma que há dificuldade porque, na ausência de garantias, os bancos exigem uma série de contrapartidas, como contratos de consórcio e a obrigação de manter parte do valor investido.

— Estão tentando nos forçar a comprar os produtos deles. A operação em si que era para ser um alento, que é emergencial, está virando um cabo de guerra. Uma empresa sem dinheiro, que está passando por essa situação, não deveria estar passando por isso.

Segundo Gonçalves, a parte da operação para os EUA era o que sustentava o negócio, porque era de alto valor agregado. O executivo afirmou que 30% da produção era destinada ao consumo americano e as vendas caíram 90%. A empresa consegue acessar outros mercados, como no continente africano, e até escoar a produção para o Nordeste, mas com uma rentabilidade menor.

— O capital de giro viria como um alento porque teria possibilidade de pensar com mais calma o redirecionamento para outros países. Não precisaria vender os produtos a qualquer preço, só para não perdê-lo — explicou. — Se a situação não mudar, podemos ter de cortar o quadro de funcionários, que hoje é de 270 pessoas.

O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, relata que as empresas que atendem aos requisitos específicos para acionar as linhas de crédito estão se mobilizando. Porém, a liberação não é imediata.

— Essas coisas têm um trâmite; não é tão imediato. E há algumas empresas muito mais expostas, que realmente correm atrás dos recursos para poder ultrapassar a tormenta — diz Pimentel. — É preciso elaborar projetos, comprovar a capacidade de pagamento; há toda uma burocracia. Não é um recurso que as pessoas obtenham sem uma análise de risco — acrescenta.

Já Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, afirma que, de forma geral, as empresas do setor — um dos afetados pelo tarifaço de Trump — preferem não contrair dívidas, ainda mais diante da perspectiva de uma negociação com os Estados Unidos, possível com a abertura do diálogo entre os governos dos dois países. Outro obstáculo são as contrapartidas exigidas em troca de empréstimos do BNDES.

— A indústria calçadista, neste momento de incertezas, tem concentrado seus esforços na manutenção da produção e dos empregos gerados. Assumir dívidas, mesmo com juros abaixo dos praticados no mercado, não tem sido uma das soluções, ainda mais levando em consideração as contrapartidas colocadas pelo governo. O clima das negociações entre Brasil e Estados Unidos também acaba trazendo uma esperança extra para a resolução do imbróglio, diminuindo ainda mais a busca pelo crédito do BNDES — diz Ferreira.

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