Quermesses em escolas, comércios e igrejas costumam aproveitar as festas juninas para organizar bingos beneficentes e sortear prêmios. A questão é que, segundo o artigo 50 do decreto lei 3.688 de 1941, jogo de azar é qualquer ato em que o ganho e a perda dependam exclusivamente ou principalmente da sorte, como no bingo. E quem explorar jogos assim está sujeito a prisão de três meses a um ano e multa. Mas, então, o bingo da festa junina é crime? Para tirar essa dúvida e explicar o que está permitido nas brincadeiras de São João, PEGN consultou especialistas.
De acordo com a lei, estabelecer ou explorar jogos de azar no Brasil é uma contravenção, mas a punição não é comum. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “crimes são considerados infrações penais mais graves, e as contravenções são aquelas classificadas como mais leves. A principal diferença entre elas é justamente a duração das penas”.
Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB-SP), explica que os bingos beneficentes não são alvo de repressão pública por serem temporários e não gerarem prejuízos a ninguém.
“Muitas vezes o bingo beneficente é aceito socialmente, porque as pessoas conhecem a entidade, seja escola, igreja ou associação esportiva, que proporciona o jogo. Além disso, os valores dos prêmios não são altos, e o dinheiro arrecadado é voltado para assistência social ou educacional”, diz. “Nesses casos o bingo se enquadra como ‘ato ilícito de bagatela’ ou ‘princípio da insignificância’, algo menor que não gera ônus a ninguém.”
O especialista explica que o “princípio da insignificância” não se aplica a casas ilegais de bingo ou mesmo ao jogo do bicho. Nesses casos, trata-se de atividades constantes, em que a finalidade é o lucro de uma pessoa ou um grupo, que podem estar ter ligação com crimes como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, estelionato e prejuízo a economia popular. A pena, nesses casos, pode chegar a 20 anos.
Camargo explica que o “ato ilícito de bagatela” também não vale para sorteios feitos nas redes sociais e veiculação de jogos de azar online, como o conhecido “jogo do tigrinho”, pois não há como fiscalizar e garantir a entrega dos prêmios. Para o presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP, influenciadores que divulgam jogos de azar normalizam a contravenção.
Outros negócios que devem estar atentos são os fornecedores de produtos relacionados aos jogos, como fabricantes de cartelas de bingo, por exemplo. Para Adib Abdouni, advogado criminalista e sócio do Adib Abdouni Advogados, empresas que oferecem insumos aos jogos de azar podem ser enquadradas como contraventoras. “A fabricação e a comercialização de cartelas de bingo pode configurar a exploração indireta de uma atividade reconhecidamente ilícita, consistente em estabelecer ou explorar jogos de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”, argumenta.
Por outro lado, Camargo justifica que a empresa não pode ser penalizada pelo uso controverso da cartela de bingo. “A finalidade do produto é o uso lúdico. A empresa não pode ser punida pelo uso indevido do produto. Isso acontece, por exemplo, com fabricantes de seda para tabaco. A empresa não se torna ilícita porque a pessoa faz uso de drogas na seda”, finaliza.