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Regulação não combina com judicialização

Fonte: Danielle Ruas

Em todo o ano passado, a judicialização, no nível federal, gerou uma despesa total de R$ 116.196.909.444. Por extenso, são cento e dezesseis bilhões, cento e noventa e seis milhões, novecentos e nove mil e quatrocentos e quarenta e quatro reais. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e estão no último Justiça em Números, de 2023. Analogamente, a Justiça Estadual contabilizou um dispêndio de R$ 70.844.608.061 (setenta bilhões, oitocentos e quarenta e quatro milhões, seiscentos e oito mil e sessenta e um reais).

O Justiça em Números apontou ainda que o Poder Judiciário finalizou o ano de 2022 com 81,4 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Desses, 17,7 milhões, ou seja, 21,7%, estavam suspensos, sobrestados (sem movimentação) ou em arquivo provisório, aguardando alguma situação jurídica futura. Dessa forma, desconsiderados tais casos, tinha-se, em curso, no fim do ano de 2022, 63 milhões de ações judiciais.

No relatório, ainda há a informação que, desde 2020, o Judiciário tem enfrentado nova série de aumento dos casos pendentes, com crescimento de R$ 1,8 milhão entre 2021 e 2022 (2,2%). Ademais, pela primeira vez na série histórica, o volume de processos em tramitação superou 80 milhões.

Judicialização nas relações consumeristas

Entre 2018 e 2022, cerca de uma ação a cada quatro nas Justiças estadual e federal abordava questões relacionadas ao Direito do Consumidor. Ademais, outro dado interessante é que os tribunais brasileiros lidaram com aproximadamente 24,6 milhões de novos processos por ano, em média, nesse período. Desse montante, 5,1 milhões eram concernentes a divergências de consumidores contra fornecedores.

Enquanto isso, o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que engloba todos os Procons do Brasil e tem o propósito de solucionar problemas dos consumidores fora do âmbito judiciário, registrou uma média anual de 1,9 milhão de reclamações consumeristas, também entre 2018 e 2022.

Impactos da judicialização

Fato é que o excesso de judicialização é uma dor crônica. E, como qualquer dor não tratada adequadamente, ela só tende a crescer.

Os impactos da judicialização podem ser sentidos por todos os lados: na economia, com um ambiente de negócios mais complexo e arriscado; nas empresas, que enfrentam dificuldades para estabelecer contratos e resolver disputas; e, principalmente, no bolso de pessoas físicas e jurídicas, vez que cada processo judicial significa custas com perícias, taxas, custas processuais, do Estado e, claro, dos próprios consumidores – que são os agentes que sustentam a máquina pública.

Para piorar, o excesso de judicialização gera uma barreira de acesso à Justiça e à defesa dos direitos fundamentais, desvirtuando a atenção dos problemas mais urgentes da sociedade.

E até os casos de órgãos regulados – como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo – vão parar no Judiciário. Luciano Timm, professor da FGV/SP e sócio de Carvalho, Machado e Timm Advogados, afirma que, definitivamente, regulação não combina com judicialização. A explicação de Timm se deu em uma palestra, promovida pelo Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovações Tecnológicas (Ceadi), e tratou o tema “Arbitragem e regulação em telecomunicações”. 

O evento, que ocorreu no dia 27 de fevereiro, faz parte do projeto Diálogos sobre Regulação e Boas Práticas Institucionais do Ceadi. A mediação foi realizada por Leonardo Marques, assessor do gabinete do conselheiro diretor Alexandre Freire. Já a apresentação ficou a cargo de Eduardo Alencar, chefe da assessoria técnica da Anatel e secretário-executivo do Ceadi.

Dogmatismo x Pragmatismo

Para embasar seu raciocínio, o professor se baseou na Análise Econômica do Direito, matéria obrigatória no Inper, FGV e Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Segundo ele, esse é um campo interdisciplinar que permite a utilização de ferramentas da ciência econômica para resolver problemas jurídicos. “No caso, aqui, temos os fenômenos regulatórios. Normalmente, a regulação, quando judicializada, é avaliada sob uma ótima dogmática, o que é feito naturalmente no Direito. Ocorre que os dogmáticos perdem o contato com a realidade. O professor Fernando de Araujo, catedrático de Direito e Economia em Lisboa, diz que, para o jurista dogmático, a realidade é um detalhe que atrapalha o raciocínio. E essa é uma cultura é muito ruim para a regulação”.

Por outro lado, há o pragmatismo. “Neste sentido, a Análise Econômica do Direito nos dá uma teoria de comportamento humano, a qual apresenta que nós somos limitadamente racionais; e outra teoria de consequências, porque o amanhã existe. Por isso é importante que nós mensuremos as causas, mas também os efeitos”.

Falhas de mercado

Na regulação, o problema é que os dogmáticos focam os casos nas falhas de mercado. Mas, qualquer manual de microeconomia vai reconhecer que um sistema regulatório tem sim imperfeições, que podem, inclusive, ser identificadas com as assimetrias de informação, custos de transação, concentração econômica. “Contudo, o que não podemos esquecer são as falhas de governo, sendo que a principal é a captura, que ocorre quando o regulador é menor ou mais fraco que o regulado. E o regulado, por sua vez, se organiza para usar a regulação a seu favor”.

Um caso clássico trazido pelo economista estadunidense George Joseph Stigler (1911 – 1991) é o das companhias aéreas dos Estados Unidos. Na ocasião, o acesso ao mercado das empresas low cost [de baixo custo] eram dificultados, então houve, por lá, todo um movimento de desregulação. Stigler, laureado com o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 1982, é mais conhecido por desenvolver a Teoria Econômica da Regulação, também conhecida como captura. Segundo essa teoria, grupos de interesse e participantes políticos podem usar os poderes reguladores e coercitivos do governo para moldar as leis e os regulamentos de uma maneira benéfica para eles.

Regulação

“O arcabouço jurídico da regulação aparece na Constituição Federal, especialmente no artigo 170, no inciso pouco tratado pelos dogmáticos – que é o princípio da livre iniciativa e democracia. O mercado não é um ente biológico que acorda de bom humor ou de mau humor. O mercado é um sistema social de organização da atividade produtiva e de consumo, e que espontaneamente é feito – se o Estado não atrapalhar demais com a regulação”, explica Timm.

O professor enfatiza ainda que a regulação também está inclusa no Código de Defesa do Consumidor, e como campo do Direito Econômico, além da Lei do Conselho Administrativa de Defesa Econômica (Cade), a Lei das Agências Reguladoras e a Lei de Liberdade Econômica, que está dando o que falar por estabelecer alguns parâmetros para a regulação, especialmente por conta da análise de impacto regulatório.

Alternativa à judicialização

Assim, reconhecendo que existem mesmo a falhas de mercado, a grande questão é: como regulá-lo?

Existem várias formas, a começar pela autorregulação, a corregulação e a regulação responsiva. Essa última copia um modelo proveniente do direito anglo-americano onde o Estado é um mero agente que celebra contratos. Contudo, o problema não está nem na regulação, nem na insuficiência regulatória do regulador. Em conclusão, a dificuldade está no parecer ativista do poder Judiciário, sobretudo nas vezes que a Justiça se sobrepõe à regulação. “A judicialização é um dos grandes problemas do Brasil. Se os economistas resolveram o problema da inflação, nós, juristas, não conseguimos resolver os principais problemas jurídicos do Brasil. Eu, particularmente, atribuo isso, boa parte, aos dogmatismos judiciais, bem como à falta de pragmatismo. Se trabalhássemos com dados, o que a Análise Econômica do Direito propõe, talvez tivéssemos uma forma mais realista de resolver o problema”, avalia Luciano Timm.

A alternativa, então, segundo ele, está na arbitragem, uma forma de resolução pacífica, evitando a sobrecarga do sistema judicial.

Arbitragem

A arbitragem no Brasil é regulamentada pela Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996, que foi um marco histórico nesse campo.

Tal legislação estabelece os procedimentos para a resolução de conflitos por meio da arbitragem. Trata-se de uma alternativa eficiente e menos burocrática em relação ao sistema judicial tradicional. Essa lei foi um avanço significativo para a arbitragem no país, contribuindo para a sua consolidação e aceitação no meio jurídico brasileiro.

Isso porque a arbitragem é um método alternativo, rápido e eficiente de resolução de conflitos que apresenta diversos benefícios em relação ao sistema judiciário tradicional. Por meio dela, as partes envolvidas podem escolher um árbitro neutro e imparcial para conduzir o processo.

Eficiência

Em segundo lugar, a arbitragem é conhecida por sua confidencialidade, o que pode ser especialmente benéfico em disputas que envolvem dados sensíveis ou sigilosos. Assim, a privacidade permite às partes resolverem seus conflitos sem tornar públicas suas questões comerciais ou pessoais.

Outro ponto importante é a flexibilidade. A arbitragem consente para a personalização do processo, consoante as necessidades e conveniências das partes. Isso inclui a escolha do lugar e do idioma em que a arbitragem será conduzida, bem como a possibilidade de determinar prazos e procedimentos específicos. Já no Judiciário as partes devem seguir a agenda dos tribunais e as regras processuais.

Para ver, a palestra do professor Luciano Timm na íntegra, acesse o canal do YouTube da Anatel: Diálogos: Arbitragem e regulação em telecomunicações (youtube.com)

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