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Judicialização nas aéreas: consequência é passagem mais cara

Fonte: Danielle Ruas

Com a judicialização, as companhias precisam ajustar os preços dos bilhetes para cobrir os gastos extras. Dessa forma, os passageiros acabam pagando mais caro, mesmo que não estejam diretamente envolvidos nas disputas legais

Um fenômeno que tem sido presenciado em todas as áreas da sociedade brasileira é a judicialização. E a expressão, que faz menção ao aumento de disputas levadas aos tribunais, não poderia ficar de fora quando o assunto é defesa do consumidor.

Vários fatores podem colaborar com a judicialização. Em resumo, destaque para um maior acesso à informação e, portanto, ao conhecimento jurídico. Ademais, as pessoas estão mais conscientes dos seus direitos individuais e coletivos.

Inegavelmente, qualquer cidadão pode procurar a Justiça se sentir lesado em algum dos seus direitos. Quem determina é a própria Constituição Federal, inclusive, no inciso XXXV, artigo 5º, que define que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.

As consequências do excesso de judicialização

Porém, em excesso, a judicialização apresenta muito mais impactos negativos do que positivos. Em primeiro lugar porque o acúmulo de processos judiciais sobrecarrega (o já assoberbado) sistema de justiça. A consequência são custos elevados, ineficiência na resolução dos conflitos e morosidade. Ademais, a alternativa de buscar a Justiça sempre que surge um problema cria uma atmosfera de litigiosidade acentuada, abalando as estruturas das relações econômicas e sociais.

Nesse ínterim, um dos contratempos, para o governo, é se certificar que a decisão de resolver um problema pela via judicial seja utilizada de maneira consciente. E, no caso das empresas aéreas, essa situação não é diferente. Com os litígios de passageiros aumentando ano a ano contra as companhias, foi montado um Comitê Técnico de Qualidade do Serviço de Transporte Aéreo para lidar com a situação.

Comitê Técnico de Qualidade do Serviço de Transporte Aéreo foi estabelecido no fim do ano passado

Grupo para combater a judicialização

O grupo surgiu em uma reunião no Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília, no fim de 2023. Na oportunidade, o secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous, comentou que o segmento aéreo é um dos que mais recebe queixa dos consumidores brasileiros.

Assim, dois meses depois, aconteceu a primeira reunião.

Portanto, um dos propósitos do Comitê é examinar o problema e criar respostas para as reclamações feitas com mais intensidade pelos passageiros. Entre elas, destaque para os atrasos e cancelamentos de voos; a dificuldade no ressarcimento; as ofertas não cumpridas; publicidade enganosa; extravio de bagagem; e cobrança abusiva para alteração de voo.

Em todo o ano passado, foram registradas cerca de 73 mil queixas contra as três principais companhias aéreas do Brasil: Gol, Latam e Azul.

Temas prioritários

Decerto, um dos principais impactos da judicialização excessiva é o aumento na composição do preço das passagens. Na reunião do Comitê, quem explicou foi o representante da Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata), Marcelo Pedroso: “Boa parte dos processos contra as companhias aéreas são abusivos”.

Pedroso ressaltou que as principais queixas são relativas a cancelamento e atrasos de voos, extravio de bagagem e overbooking. “São problemas que não precisam ser levados ao Judiciário”.

Foram discutidas no encontro propostas de soluções para reclamações registradas no consumidor.gov e em outros canais integrados ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). O titular da Senacon, Wadih Damous, ressaltou a importância da parceria entre o governo e as empresas para garantir a preservação dos direitos dos consumidores e a operação transparente e eficiente do setor aéreo. Além disso, é importante ressaltar que a atuação da Senacon será pautada na “proteção daqueles que mais precisam, mas sem deixar de ouvir todas as partes envolvidas”. Conforme Damous, essa colaboração ajuda a criar um ambiente favorável para os passageiros, “onde nós levamos em consideração suas necessidades e preocupações”.

Na visão de Damous, essa abordagem equilibrada busca equacionar as demandas dos consumidores com as necessidades das empresas, promovendo um ambiente de justiça e respeito mútuo.

A Senacon demonstrou interesse em contribuir com sugestões para melhorar as normas da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), conforme previsto na Lei nº 13.848.

Melhorias nas relações de consumo

Dessa forma, durante o encontro, Patrícia Cabral, da Anac, apresentou os projetos em andamento no programa de regulação por incentivos nas relações de consumo, resultado de conversas com entidades de defesa do consumidor. Na ocasião, ela explicou que a Agência está trabalhando em conjunto com empresas aéreas. “Nosso intuito é solucionar tanto os problemas da judicialização quanto as melhorias na acessibilidade para passageiros com necessidades especiais, a falta de comunicação entre empresas e passageiros e outros desafios do setor.

Contudo, como os índices do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) das companhias aéreas não é satisfatório, os consumidores veem a Justiça como a “única alternativa”. O diretor do DPDC/Senacon, Vitor Hugo Ferreira, explica que muitas vezes é preciso seguir o caminho da judicialização para se obter direitos legítimos. Em sua visão, não se deve considerar a busca por esses direitos como “litigância predatória”. A Senacon pretende atuar identificando tais ações e acionando a OAB para intervenção nas situações apontadas”.

Com o intuito de evitar mais judicialização, o secretário Wadih Damus, orienta aos consumidores que se sentirem lesados buscar, em primeiro lugar, o SAC das empresas aéreas para resolver suas demandas. “Eu sugiro o Consumidor.gov como segunda opção. A orientação pode reduzir o número de ações movidas contra as empresas aéreas”.

Querosene

Os membros do Comitê também discutiram o valor do querosene de aviação (QAV) no Brasil. O QAV foi apontado, em suma, como outro vilão do aumento dos custos das operações de voos domésticos. Para se ter uma ideia, o custo com combustível representa cerca de 40% do valor das tarifas aéreas.

No início do ano, a Petrobras anunciou uma redução de 9,8% no preço médio do querosene de aviação (QAV) vendido às distribuidoras. Isso representou uma queda de R$ 0,40 por litro em comparação com os preços praticados em dezembro de 2023, conforme confirmado pela companhia em comunicado oficial.

Contudo, mesmo assim, o valor ainda é alto. Segundo Marcelo Pedrosa, representante da IATA, o combustível de aviação no Brasil é um dos mais caros do mundo, com preços acima da média global. Isso, para ele, levanta a necessidade de buscar alternativas para reduzir esses custos e tornar o setor aéreo nacional mais competitivo. Em relação a esse assunto, Wadih Damous se comprometeu a dialogar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para encontrar uma solução e assim baratear o valor das passagens aéreas, que é uma meta do governo. “O propósito é resolver questões pertinentes ao consumidor e promover melhorias nos serviços oferecidos pelas companhias aéreas de forma transparente e eficiente”.

Ademais, outra novidade, é que será lançada, em breve, uma cartilha informativa. A meta da ação será educar os consumidores sobre seus direitos e deveres durante viagens.

Mudanças na história da aviação

Um marco para brecar o excesso de judicialização contra as aéreas no Brasil se deu em 2019. Nesse ano, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou que o atraso de voos não implica automaticamente em dano moral presumido.

Na decisão, originada do Recurso Especial nº 1.796.716–MG, o STJ destacou a necessidade de comprovação do dano moral em casos de atraso. O órgão salientou ainda a importância de analisar o tempo para resolver o problema e o suporte oferecido aos passageiros.

A Lei nº 14.034 foi publicada em 2020. Ela fortalece a tendência de exigir prova efetiva do dano moral.

O Tribunal destacou que a busca por indenizações por dano moral sem prova é desequilibradora da relação de consumo. O STJ entende que, portanto, trata-se de uma relação prejudicial para a viabilidade das empresas aéreas no Brasil. Ressaltou-se “como essencial” a necessidade de um equilíbrio entre a liberdade de decisão e o cumprimento da legislação vigente. O objetivo é garantir um setor de aviação mais sustentável e acessível a todos os brasileiros. 

Preço passagens aéreas

O preço médio das passagens aéreas no Brasil registrou uma queda de 3,9% em 2023 em comparação com o ano anterior, conforme dados da Anac.

Em 2022, a tarifa média foi de R$ 662,61, enquanto no ano passado foi de R$ 636,32. Segundo a Anac, mais da metade dos bilhetes vendidos em 2023 (51,2%) custaram até R$ 500. As tarifas acima de R$ 500 e abaixo de R$ 1,5 mil correspondem a 41,6%. Por fim, 7,2% custaram mais de R$ 1,5 mil.

A presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, destaca o esforço das aéreas para oferecer preços competitivos. Mesmo diante de um ambiente desafiador. “Estamos constantemente buscando o diálogo com o governo federal para fortalecer o setor e reduzir os custos estruturais”.

Crédito da foto da reunião do Comitê Técnico:  Jamile Ferraris / MJSP

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