A busca pela judicialização para obrigar planos de saúde a fornecer medicamentos, tratamentos ou procedimentos médicos tem se tornado cada vez mais frequente. Contudo, embora seja um direito do cidadão recorrer à Justiça para garantir acesso à saúde, até que ponto o excesso de judicialização pode acarretar consequências indesejadas?
A resposta para essa pergunta é: o principal impacto da judicialização em excesso é o incremento nos custos da saúde privada. E quem paga a conta é o consumidor, não tem jeito.
Prova disso está no montante das cifras em 2022 de todos os processos judiciais, que chegou a um total de R$ 4 bilhões. O valor representa um aumento de 58,2% em relação ao ano anterior. A informação é do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que diz que, ao todo, foram 159,7 mil processos naquele ano.
Escalada da judicialização
E a tendência é que a judicialização na saúde aumente ainda mais. Isso porque as reclamações contra os convênios de saúde vêm atingindo recordes ano a ano, com um incremento na casa de 120% entre 2019 e os dez primeiros meses de 2023, passando de 363 para 973 por dia em média. Os dados são da Agência Nacional de Saúde (ANS).
Quando um paciente busca o amparo judicial para obter um medicamento ou procedimento específico, isso já gera um aumento nos gastos das operadoras de saúde.
“Isso ocorre porque, além dos custos regulares com tratamentos e procedimentos médicos, as operadoras precisam arcar também com os custos judiciais referentes aos processos em curso”, afirma Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Além disso, a judicialização em excesso compromete a sustentabilidade financeira das operadoras de saúde privadas.
“O aumento dos gastos com processos judiciais acaba se refletindo, inevitavelmente, nos valores das mensalidades pagas pelos beneficiários”, explica o superintendente executivo.
Consequentemente, muitos indivíduos são afetados com o encarecimento dos planos de saúde, o que pode levar à exclusão de pessoas que não conseguem arcar com os custos elevados. “Para agravar ainda mais a situação, pacientes oncológicos, hospitalizados e outros casos graves têm que arcar com os altos custos, vez que não têm possibilidades de interromper seus respectivos tratamentos”, ressalta Marcos Novais.
O impacto da judicialização nos planos de saúde
Outro aspecto importante é o impacto da judicialização na organização e no planejamento das operadoras de saúde. A constante demanda judicial demanda um esforço adicional para lidar com a burocracia e os trâmites legais. E isso pode impactar negativamente a celeridade no atendimento e no acesso aos serviços de saúde. Além disso, a necessidade de destinar recursos para ações judiciais pode comprometer investimentos em melhorias na infraestrutura e na qualidade dos atendimentos.
Na visão do advogado Fernando Bianchi, sócio do escritório M3BS advogados e palestrante na área de Direito Médico e Planos de Saúde, esses casos mostram como a judicialização resulta em custos administrativos e assistenciais para as operadoras de planos de saúde, que precificam seus produtos considerando tais elementos.
O resultado será sempre um maior valor do plano de saúde. E, em última análise, essa consequência, em efeito dominó, provoca cada vez menor acesso aos consumidores no sistema de saúde suplementar. “Por tal razão, deve haver cautela com o ativismo judicial, bem como com uso não consciente das coberturas assistenciais”, recomenda o especialista, membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/SP.
Reverter o cenário
Para reverter esse cenário, é preciso exigir uma justiça de qualidade técnica que observe as orientações do Conselho Nacional de Justiça/ Superior Tribunal de Justiça (CNJ/STJ) em matéria de saúde suplementar, nas palavras de Fernando Bianchi. “É fundamental respeitar a autoridade técnica da ANS e da legislação regulatória que analisa impactos regulatórios e econômicos. É preciso respeitar os contratos”, analisa.
Ele enfatiza ainda que, dessa forma, certamente as ouvidorias das operadoras e o espaço de Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), da ANS, ambos de natureza extrajudicial, passariam a resolver grande parte das demandas com rapidez e qualidade. “E tal fato reduziria de forma significativa a utilização das vias judiciais”.
Aumento dos custos com internações
Uma pesquisa divulgada recentemente pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) mostrou que o custo com internações continua sendo o principal gasto assistencial. Na prática, houve um aumento nos valores médios gastos por internação de R$ 6.455 em 2019 para R$ 10.153.
As doenças do sistema circulatório foram a principal causa de internações, representando cerca de 10% do total de hospitalizações no período analisado. Participaram da pesquisa 46 operadoras associadas à Unidas, que juntas representam 2.530.753 milhões de vidas.
A gerente executiva da Unidas, Amanda Bassan Alves, atribui o aumento dos gastos ao aumento das doenças crônicas. Mas não é só: a inflação médica, os avanços tecnológicos, uma maior demanda na utilização de serviços de saúde, especialmente após a retomada dos atendimentos pós-pandemia. “Tudo isso, junto, colabora”.
Amanda Bassan Alves observa ainda que o avanço do envelhecimento populacional também colabora para o aumento dos custos de internação. “Vale considerar que a faixa etária mais avançada consome mais recursos”.
Outro fator determinante é o alto custo dos medicamentos, especialmente quando se trata de terapias inovadoras e remédios de alto custo.
Medicamentos
Conforme o Painel de Informações do Rol, lançado pela ANS em 2023, ocorreram 11 novas incorporações de medicamentos na listagem, com um impacto incremental médio anual de cerca de R$ 328 milhões.
Em suma, o painel apresenta informações econômicas de todas as incorporações feitas a partir de 2022, utilizadas no processo de atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. “Certamente, os medicamentos interferem diretamente no custo das internações, considerando que grande parte deles é utilizada em ambiente hospitalar”.
Ademais, para a Amanda Bassan Alves, outro fatore que exerce influência nos custos com internação são os fatores regulatórios. Especialmente ao que se refere a cobertura obrigatória pelos planos de saúde. “Discute-se a importância da implantação de um limiar de custo-efetividade em Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) justamente por esse motivo. Tudo porque, sem dúvida, devido à lógica do mutualismo, os usuários de planos de saúde serão diretamente impactados com o aumento da mensalidade”.
Contratos
Contratos bem elaborados nos planos de saúde são essenciais para proteger os direitos e interesses mútuos. Eles estabelecem as bases e os termos em que o plano de saúde será fornecido, deixando claras as obrigações dos beneficiários e das operadoras. Um contrato bem redigido ajuda a evitar conflitos futuros ao definir as coberturas e os procedimentos médicos que o plano de saúde oferecerá.
“Deve haver uma conscientização a respeito da importância dos contratos, ou seja, àquilo que foi pactuado. Em síntese, as partes não devem aceitar nem mais, nem menos, mas apenas o que foi contratado. Essa maturidade contratual reduziria conflitos e traria previsibilidade e segurança jurídica para a relação”, garante Fernando Bianchi, sócio do escritório M3BS advogados.
Um contrato bem elaborado deve especificar com clareza quais tipos de tratamentos estão incluídos, quais estão excluídos e quais têm restrições.
Decerto, tais informações garantem que os beneficiários tenham acesso aos cuidados médicos necessários e as operadoras atuem dentro dos limites estabelecidos.
Ademais, o instrumento também deve conter informações importantes sobre prazos, formas de reembolso e processos de reclamações e apelações. Isso facilita a comunicação entre as partes envolvidas e estabelece diretrizes para a resolução de disputas.
Em conclusão, a utilização de linguagem clara e precisa é essencial na redação dos contratos de planos de saúde. Isso evita mal-entendidos e interpretações vagas que poderiam levar a litígios. Um contrato bem redigido deve ser compreensível para os beneficiários, sem termos jurídicos excessivamente complexos. Ademais, os contratos devem ser atualizados conforme as mudanças na legislação e nas práticas médicas. Isso garante que eles estejam em conformidade com as normas vigentes e que reflitam a realidade do setor de saúde.