A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pediu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a suspensão dos efeitos da lei aprovada pelo Congresso que criou o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Essa tese estabelece que os indígenas só têm direito às terras que estivessem ocupando ou disputando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A entidade apresentou em conjunto com a Associação Juízes para a Democracia (AJD) um recurso nesta terça-feira (30) contra a decisão do ministro, dada na semana passada, que suspendeu todos os processos judiciais que discutam a constitucionalidade da lei do marco temporal.
O ministro também abriu uma tentativa de conciliação no STF sobre o tema. A decisão foi dada em um conjunto de ações de partidos políticos e de entidades de defesa dos direitos dos povos indígenas que acionaram o STF contra e a favor da tese.
Segundo afirmou a Apib e a AJD no recurso, é preciso que se suspenda a eficácia da lei, ou ao menos dos trechos que estabeleceram o marco temporal, porque a administração pública fica “imobilizada na sua missão institucional de identificar e demarcar terras indígenas”, diante de “comandos contraditórios”.
As entidades também argumentaram que a suspensão determinada por Gilmar, que paralisa só os processos judiciais sobre o tema, é “insuficiente”, pois a “maior parte dos processos judiciais em que se discute o tema ‘terras indígenas’” é anterior à norma.
“Em consequência, eles têm a potencialidade de prosseguir, sem invocação direta à Lei 14.701, com danos às partes difíceis de estimar”, afirmaram as entidades.
A tese do marco temporal já foi rejeitada pelo Supremo, que a considerou inconstitucional, em julgamento finalizado em setembro de 2023.
Em resposta, o Congresso aprovou uma lei criando esse marco. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez vetos no projeto, mas eles foram derrubados pelo Congresso, em dezembro.
A lei está em vigor desde então.
Conciliação
Outro ponto contestado pelas entidades é em relação às tratativas para conciliação. Apib e AJD querem que mais organizações indígenas possam participar.
“Muito embora a APIB seja uma associação nacional e, portanto, bastante representativa dos povos indígenas do Brasil, há outros segmentos associativos que poderiam trazer contribuições expressivas ao debate”, afirmaram.
O pedido é para que ao menos mais cinco entidades que representam os povos originários possam participar, uma para cada região geográfica do país.
O recurso questiona, ainda, se a tentativa de conciliação vai se debruçar só sobre o marco temporal ou também levará em conta as demandas feitas em uma das ações, sobre exploração econômica dos territórios indígenas.
Proposta pelo PP, a ação diz que há omissão do Congresso em regulamentar trecho da Constituição que estabelece a necessidade de lei complementar para definir o “relevante interesse público da União” em “atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere o artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Decisão
Em 22 de abril, Gilmar determinou a suspensão de todos os processos judiciais que discutam a constitucionalidade da lei que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas e enviou a discussão para tentativa de conciliação.
Foi determinado que todas as entidades que entraram com ações a respeito do tema, chefes dos poderes Executivo e Legislativo, Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentem, em 30 dias, propostas para discussão das ações.
Em sua decisão, Gilmar reconheceu a existência de possíveis conflitos em relação a interpretações da lei e as balizas fixadas pelo STF.
Em seu entendimento, isso poderia gerar uma situação de insegurança jurídica e por este motivo suspendeu os processos.
“Considero necessária a concessão de medida cautelar para determinar a imediata suspensão de todos os processos judiciais que discutam, no âmbito dos demais órgãos do Poder Judiciário, a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, enquanto esta Suprema Corte promove a devida apreciação da conformidade da referida norma com a Constituição, à luz das balizas interpretativas já assentadas na jurisprudência da Corte sobre o tema”, afirma o documento.
Para tentar chegar a um acordo sobre a questão, o ministro pediu para que fossem apresentadas propostas “no contexto de uma nova abordagem do litígio constitucional discutido nas ações”.
“Diante desse cenário, entendo que deve ser adotado um modelo judicial aberto e dialógico de superação do conflito, por meio da governança judicial colaborativa, com a utilização de ferramentas processuais adequadas para o enfrentamento das questões fáticas imbrincadas trazidas pelos interessados”, complementa a decisão.