Quais são as consequências negativas do esquema de gratificação imediata?
No caso das crianças e dos adolescentes, o desenvolvimento de funções cognitivas e habilidades sociais e emocionais é prejudicado. Presos no esquema de reforçamento contínuo ou de gratificação imediata, eles tendem a ter comportamentos automatizados, em vez comportamentos adaptativos, variáveis conforme a situação. Isto é, acabam sendo menos criativos e capazes de pensar soluções para os diferentes problemas.
Além disso, quando não conseguem postergar a gratificação, eles se tornam imediatistas, só pensam no presente e não desenvolvem a capacidade de pensar no médio e no longo prazo, de planejar o futuro. E as crianças e os adolescentes que são gratificados o tempo todo, independentemente do que aconteça, não aprendem a lidar com as frustrações. É por isso que encontramos tantos jovens que são muito irritáveis e têm explosões de raiva quando não conseguem o desejam.
Na medida em que o celular consome muitas horas do dia, eles acabam não dispondo do tempo necessário para estimular o desenvolvimento das funções cognitivas e das habilidades sociais e emocionais.
Indiretamente, podemos ainda citar a privação do sono entre os malefícios do uso excessivo de aplicativos geridos por algoritmos de captura de atenção. Como vão para a cama tarde e não dormem as horas suficientes por causa do celular, as crianças e os adolescentes sofrem prejuízos na capacidade de concentração e no controle das emoções.
Que outros sintomas indicam que estamos passando tempo demais ao celular?
Quem sofre de dependência digital costuma negligenciar deveres e responsabilidades, ter prejuízos no desempenho acadêmico e profissional e falhar nas tentativas de reduzir o uso da tecnologia. Executar atividades um pouco mais complexas, como ler um livro, pode ser penoso. Ficar sem fazer nada deixa o dependente digital extremamente entediado e infeliz. Também podem aparecer sintomas de ansiedade, depressão e agressividade.
No caso dos jovens, um comportamento comum é mentir para os pais sobre o tempo que passam conectados.
Quando esses sinais aparecem, independentemente da idade da pessoa, é porque algo na saúde mental não vai bem e é preciso procurar logo a ajuda de um psicólogo ou médico.
O que os pais podem fazer para evitar que os filhos se tornem dependentes digitais?
A primeira medida é conversar com os filhos sobre as consequências negativas do uso excessivo do celular. A conscientização é importante para que não entendam essas ações como uma forma autoritária e coercitiva de tirá-los desse mundo tão interessante e cheio de entretenimento e diversão.
Outra medida é dar o exemplo. Não adianta os pais falarem que o mundo virtual em excesso faz mal se eles próprios, os adultos, passam horas e horas na frente do celular.
A Sociedade Brasileira de Pediatria estabeleceu o tempo máximo que as crianças e os adolescentes de cada faixa etária podem passar na frente das telas sem prejuízos à saúde. Essa recomendação precisa ser respeitada.
Os próprios celulares têm recursos que permitem controlar o tempo que as crianças ficam on-line, como aplicativos que desligam o aparelho depois que as horas estabelecidas são atingidas, liberando apenas as chamadas telefônicas a partir de então.
Os pais não estão dando a devida atenção ao problema?
É curioso perceber que os pais de hoje se preocupam exageradamente com os seus filhos no mundo real, não os deixando sozinhos na rua, por exemplo, mas estão completamente despreocupados com eles no mundo virtual. O mundo on-line, porém, pode ser muito perigoso. Existem conteúdos de sexo, violência e outros temas inadequados para os mais jovens que podem ser facilmente acessados. Existem predadores sexuais que usam as redes sociais para atingir suas vítimas. As crianças e os adolescentes precisam de supervisão no mundo virtual.
Também há uma mudança estrutural que precisa ser feita na sociedade. Quem dá a educação às crianças é primordialmente a família. A escola ensina os conteúdos curriculares e oferece um espaço de socialização, mas os valores e a educação propriamente dita são dados pela família. Por isso, deveríamos conceder aos pais os recursos necessários para que consigam passar tempo de qualidade com os filhos. Atualmente quem mora nas cidades grandes, além de trabalhar oito horas por dia, ainda perde duas ou três horas no trânsito. Neste sistema capitalista, não sobra tempo para a família, e os pais acabam terceirizando toda a educação dos filhos para a escola.
Isso é um erro, porque são essas crianças que não recebem hoje a educação adequada que no futuro serão adultos sem pensamento crítico, massa de manobra, rebanho que não sabe pensar, obediente ao que ditam os algoritmos de captura de atenção. Serão as crianças de hoje que escolherão os governantes de amanhã. E algumas delas serão os governantes de amanhã.
Para essa mudança estrutural, uma medida importante é a redução da jornada de trabalho, obviamente sem a redução de salário, para permitir que os pais estejam junto das crianças nesse momento crítico para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social.